Di-álogo
– Não basta a porta estar fechada; ela deve também estar trancada.
– E o que você faz no quarto trancada?
– Eu?
– Sim! Você! Por que precisa estar t-ra-n-c-a-d-a?
– Ah! Eu penso. Eu sonho. Eu durmo. Eu rio. Eu choro. Eu me sinto só e ao mesmo tempo muito bem acompanhada. Eu me refugio. E eu crio e me crio.
– Não dá pra fazer isso tudo de portas abertas?
– Dá!
– E por que não...?
– Porque eu quero assim e pronto!
Porque eu quero falar comigo a sós.
Que nem agora! Cê nunca quis me impedir! Por que isso agora?
– Ah! Porque assim eu participo ativamente. Deixo minha marca!
– Mas se você é eu e eu sou você, temos a mesma marca não?
– Pois me explica: se somos a mesma pessoa, quem possui o corpo? Nós duas, certo?
– Hm...
– E mente ocupamos juntas também, não é?
– Hm...
– Não! Não é! Eu crio, você escreve. Sou eu quem fica “muito bem acompanhada”. E sou eu quem te cria!
– E quem te dá de comer?
[riso maléfico]
– Os livros que tu devoras. Não tenho fome de comida.
– E a mim, sobra a razão ou a emoção?
– As duas, sua bobinha. Sem você, eu sou ninguém. E sem mim, você só é mais um corpo sem alma.
[PAUSA]
– ...convencida!