Fenda

O espaçamento entre as telhas permitia que os primeiros raios de sol iluminassem seu quarto. Ela brincava de perseguir a fenda luminosa, colocava a mão sobre ela e o sol ficava em cima de sua mão e a fenda ia andando pelo quarto, ocupando os móveis.

Deitada na cama olhava fixamente para o feixe de luz. Via pequenos pedaços de poeira, penas de pássaros e insetos miúdos flutuarem envoltos no círculo luminoso irem embora voando pelo telhado a procura do céu.

***

Chove.

Os grilos cricrilam.

Uma goteira próxima à cama pinga no chão do quarto.

Passos.

O barulho do pigarro.

Passos.

O barulho da pisada na tabuleta em falso do corredor.

Silenciosamente a porta range.

Encolhe-se na cama.

-Chiu..não faça barulho!

Barulho da fivela do cinto.

Puxou-a pelas pernas -Chiu...sem barulho!

Silêncio,Dor ,Ardor. Imóvel ficou

Seus pequenos lábios tentaram resistir a dor que lhe adentrava mas, a força externa a rompeu.

Ela não tirou os olhos da fenda no telhado, um fragmento do céu.

Barulho do fechar da fivela.

Passos.

Lá longe ela viu um estrelinha piscar.

***

Pela manhã, no quarador do quintal exposta em nódoas de sangue negro a manta quarava ensopada no sabão de coco, sangue e sabão se fundiam formando o alaranjado da aurora que já havia se despedido .O calor sufocante do sol a pino ia trazendo novamente o brancura alvejante da manta.

No quarto, a menina olhava a fenda de sol dançar pelo recinto levando a poeira, os restos dos pedaços de penas e asas dos minúsculos insetos todos girando no círculo do sol subindo para o céu.