DO OUTRO LADO

Quando caminhávamos de mãos dadas e ela escutava minhas ânsias, eu olhava sempre pra baixo, talvez à procura de uma superfície plana em que apoiar minhas idéias desequilibradas, jamais mirava seu rosto ou qualquer parte do seu corpo, era desnecessário, bastava-me a ilusão conferida pelo calor das mãos atadas, ilusão de que havia um interlocutor, e estávamos mais próximos então do que jamais havíamos estado (ainda que ela me procurasse com a diligência típica da mulher apaixonada), mais próximos até do que quando fazíamos amor (ainda que durante o orgasmo ela chorasse de emoção e sentisse algo que me era impossível), mais próximos certamente do que quando nos olhávamos olho-no-olho, momento em que, para ser franco, eu sentia mais intensa a distância que nos desentendia -- era como se falássemos línguas diferentes a maior parte do tempo, e mesmo quando nos entendíamos, ainda era como se nos esforçássemos através da distorção de telefone em sala de visita de prisão -- e talvez assim fosse, ela solta no mundo com sua simpatia e simplicidade, eu preso em meu mundo agotista, ensimesmado ao cúmulo, perguntando-me com frequência por quanto tempo ela aguentaria essa cruz -- essa mentira --, é claro que não tardaria, foi na última vez em que nos vimos, conversamos pouquíssimo, olho-no-olho, ela chorou muito, embora não estivéssemos fazendo amor e eu não lhe pudesse enxugar as lágrimas, disse que eu não havia mudado e que demoraria muito, e assim, sem mais, para minha surpresa e tristeza, largou o telefone e me deixou falando sozinho do outro lado do vidro.