Grey poem

Eu estava, ridiculamente, parada sob a marquise.

Dos joelhos para baixo, recebia respingos da chuva, o que me deixava ainda mais molhada e fria.

Segurava nas mãos a bolsa, dois livros, a capa de chuva e um guarda-chuva.

Jamais ele me acharia bonita naquela situação.

Mas, no momento em que ele parou o carro e abriu a porta para que eu entrasse, foi como se o mundo todo se transformasse. Como se dentre as pesadas nuvens da chuva surgisse um sol particular que passou a brilhar só para nós dois.

Seus lábios se abriram num amplo sorriso e, pela primeira vez, eu notei a beleza de seus dentes, de sua boca. Pela primeira vez eu pensei: que sorriso bonito ele tem!

Esqueci de como me sentia patética até minutos atrás.

Esqueci que estava molhada e com frio.

Não me preocupei, naquele momento, se molhava seu carro, se molhava suas roupas ou se fora daquele carro o mundo continuava acontecendo. Nossas palavras foram poucas. Calado. Eu disfarçava o nervosismo em muitas falas, muitas palavras, muitas frases. Quem sabe um dia ainda eu descubra se houve sentido no que foi dito. Por mim.

Não se podia falar em amor.

Não se podia falar em paixão.

Então não falei.

Só eu sei, dentro de meu peito, o sentimento que havia naqueles tempos de encontros furtivos, olhares disfarçados e palavras ditas à meia voz e quase em silêncio.

Nesses dias assim, de chuva e frio, a solidão se deita ao meu lado e me abraça numa tentativa de abraço fraterno. Pela força da necessidade, por inércia, me deixo aninhar em seu peito e nos fundimos, em mutualismo...

Não há mais alegria, nem sorrisos. Já nem choro mais, pois as lágrimas secaram dentro em mim. Minhas lágrimas são parte da chuva avassaladora que cai lá fora, que arrasta árvores e que insiste e que se nega a não lavar meu peito sangrado.

* Mutualismo - é a associação entre indivíduos de espécies diferentes na qual ambos se beneficiam. Esse tipo de associação é tão íntima, que a sobrevivência dos seres que a formam torna-se impossível, quando são separados - fonte: www.herbario.com.br

Margot Jung
Enviado por Margot Jung em 12/11/2007
Reeditado em 03/12/2007
Código do texto: T733875