A noite e sua canção

Agora ela já se veste como menina, embora não tenha muitas coisas de menina para mostrar. Desceu numa parada diferente da de ontem. As outras pessoas do ônibus são outras pessoas quaisquer apenas. Massa trabalhadora, vestida como tal.

Estou gripada, seguro o espirro duas vezes; o balanço do ônibus torna tudo mais difícil, solto um espirro agudo e o homem do lado interrompe sua leitura para ver o que ocorreu, o que alterou sua sagrada normalidade. "Saúde!", ele diz com um sorriso cansado. Que posso fazer? Retribuo na mesma moeda.

Percebo que as pessoas lêem no ônibus. É o tempo que têm para ler. Outras ouvem música, é o tempo que têm para ouvir música. Algumas escrevem, profanando a sagrada normalidade. Mas é também o tempo que têm para escrever...

Me ausento, enfim, do balanço do ônibus; agora tudo se torna mais fácil, mais vazio, mais solitário. Mas "não posso queixar-me de solidão se possuo a noite e sua canção". Vi isso na parada do ônibus. Já estão distantes a parada, e qualquer barulho de vida, e a noite parece querer dormir...