A casa de vidro

No fundo ela tinha certeza que cada vez que batia aquele velho portão de ferro batido, um pedaço do que eram suas raízes desmoronava. já não havia a quem recorrer, segurança já não havia; o que havia era o cordão umbilical enterrado tão fundo que já brotara e criara suas raízes de cacto, que é uma planta meio morta capaz de viver onde só a morte vive.

E desmoronavam pessoas, personagens de suas infância, criaturas que julgara tão fortes e que, agora sabia, era apenas covardes. Seu heroísmo de resistência não passara de medo de enfrentar o inimigo.

E a casa desmoronava, sob o peso infinito das culpas, das mágoas e das histórias mal contadas; os loucos, a hipocondríaca e a eterna vítima. Regidos por um planeta estranho, todos do mesmo signo, vivendo na casa de vidro, que desmorona a cada dia. Nada restará das mentirosas glórias, nada restará da mentirosa alegria. Ela sabe. Quando a morte vem visitar aquele musoléu a verdade se mostra, tímida, àquelas pessoas.

Ela bate o portão mais uma vez e ouve, não vê, um pedaço cair com estrondo, é mais uma ilusão que se vai, é mais um pedaço que desmorona ao peso do tempo, que desafia as paredes construídas com histórias mal contadas, frágil material, da casa de vidro.