A DIVINA LOROTA

(Dedico este trabalho ao meu amigo Heitor e a toda família Chamusca)

Gente: o que eu vou contar é inacreditável. Sei que vocês acharão que é até mentira... mas acabo de chegar do Céu. Do Céu, mesmo! Ou seja, não deste espaço que circunda a terra, mas refiro-me literalmente à morada divina. Verdade! E aqui pra nós: Olha, lá é realmente muito melhor do que se imagina!

Foi uma visita muito rápida. Fiquei apenas um dia e meio, mas o suficiente para ter uma noção da magnificência daquele paraíso. Volto a dizer: lá é, sem sombra de dúvida, muito melhor do que acreditamos. Confesso nunca ter imaginado que fosse assim. Pelo contrário: acreditava que o Céu era um lugar meio chato, uma "maresia" total, aonde se ficava o dia inteiro ocioso, só ouvindo música gospel, ladainhas e rezando. Gente, não é nada disso! Estava redondamente enganado. O Céu - para se dizer a verdade - é bem semelhante àqui em dia de festa: uma animação! Claro, com algumas diferenças. Não possui, por exemplo, essa bagunça daqui. Tudo lá é super-organizado! E tem mais: não há poluição, contaminação... as coisas são todas de primeira qualidade, com certificado e tudo. Aliás, lá não existe artigos falsificados, contrabandeados, produtos similares nem genéricos. Tudo lá é autêntico. E o melhor: barato! Ah, vocês pensavam que era de graça? Também pensei. Porém, lá existe comércio e todo mundo trabalha. Tanto que o desemprêgo lá é zero. Maravilha, não? E não existe pobre, assim como rico, da mesma forma, não.

Sei que vocês estão querendo saber o porquê de eu ter tanta certeza que esse lugar era de fato o Céu. Não poderia ser um lugar do primeiro mundo, aqui mesmo na Terra? De forma nenhuma. Vocês viram o que eu acabei de dizer. Gente, aquilo lá é o paraíso de verdade! A semelhança que existe com o nosso mundo é somente em relação às paisagens, porque lá existem também mar, florestas, montanhas... existem cidades, indústrias, comércio... Não vi foram bancos, delegacias, prisões, hospitais, funerárias, cemitérios... naturalmente porque disso lá ninguém precisa.

Mas deixe eu contar como é que eu fui parar lá neste paraíso a fim de que vocês não tenham dúvida. A coisa foi assim: estava eu deitado no meu quarto para dormir quando...pluf! - o meu coração parou. Quando o coração pára, o cérebro funciona ainda por alguns segundos. E eu então senti mesmo a parada. Em seguida apaguei. Depois de não sei quanto tempo, voltei a mim e pensei que tivesse tido um desmaio.E fiquei desesperado porque, ao despertar, me vi num local bem diferente do meu quarto, completamente escuro e silencioso. Felizmente, logo depois clareou, ficando tudo bem iluminado. Aí não tive dúvida: o local era, de fato, estranho. E estava cheio de gente sorridente. Que não era o Brasil percebi de primeira: não havia ninguém desdentado! Como foi que eu fui parar ali, não tinha a menor idéia. Estaria em um país estrangeiro, foi o que me veio à mente. Perguntei, então, a um jovem que estava ao meu lado:

- Por gentileza: que lugar é este? Aonde estou?

- Seja bem-vindo! - a resposta dele foi uma saudação -Você acaba de chegar ao Paraíso Celestial!

- Deixe de brincadeira! - disse-lhe - Que aqui não é o meu país, já percebi. Agora Paraíso Celestial... é algum vilage de luxo na Suiça?

- Primeiro, permita apresentar-me - disse-me ele - : sou o anjo Gabriel, e fui designado para ser o seu cicerone aqui. Como eu já disse, você não mais se encontra na Terra e sim no Reino Eterno.

Gente, vocês devem fazer idéia do meu espanto. Acabava de ser informado que já tinha mesmo batido as botas. Entretanto fiquei ainda com algumas dúvidas. Afinal chegar assim rapidamente ao Céu, achei meio esquisito. Não possuo lá essas virtudes, nem mérito para tanto. Nem religioso, eu sou. Jamais acreditei ser possível um dia ir direto para lá. Teria que, pelo menos, dar uma passadinha antes pelo Purgatório. Todavia, mesmo desconfiado, fiquei na minha. Ía reclamar de quê? Talvez cometessem equívocos também as autoridades do Céu, sei lá! Voltei a falar com o moço:

- Então, você é o anjo Gabriel? Muito prazer! - cumprimentei-o e em seguida quis saber: - O que houve com as suas asas... foram amputadas?

- Asas... que asas? Quem disse que anjo tem asas? Não somos pássaros.

- Realmente. Mas lá Terra todo mundo acha que anjo é alado.

Gabriel deu um leve sorriso dizendo:

- Talvez porque voamos muito.

- É, estou vendo ser aqui bem diferente do que imaginamos. Pensava encontrar um monte de anjinhos com asas, tocando harpas... mas nada disso. Não estou vendo nenhuma autoridade conhecida, nenhum papa, nenhum pregador famoso já falecido... mas como aqui é muito grande...

- Sim, mas não se iluda, não - afirmou-me o anjo - Aqui só temos uma autoridade: Nosso Senhor Jesus Cristo.

- E os santos... cadê os santos?

- São todas estas pessoas que você está vendo aqui.

- Puxa! Não sabia que havia tanto santo assim!

- As pessoas que para aqui vêm - explicou-me ele - depois um certo tempo tornam-se santificadas.

- Ah, e eu começando a achar poder já me considerar santo! Agora, cadê a auréola nas cabeças deles?

- Isso também não existe. É invenção do pessoal lá de baixo.

Enquanto ele falava, indentifiquei alguém que por ali passava. Aí disse-lhe:

- Você a pouco me informou que todas estas pessoas são ou serão santas, mas acabo de reconhecer aqui um sujeito que lá Terra era ladrão (até fui roubado por ele) e que foi morto em troca de tiros com a polícia!... E veio parar aqui? Não compreendo! Que Céu é esse que abriga todo mundo?

- É que você conhece apenas parte da história - disse-me o anjo. E esclareceu - Realmente esse filho de Deus era um grande pecador, mas acabou conseguindo o perdão do Divino. Embora fosse um bandido, foi capaz de fazer algo que agradou aos Céus. Esse homem amparou a vida inteira uma pobre e velha viúva que vive com um filho deficiente, e que não conseguia ajuda de ninguém. Mesmo quando esteve preso o homem encontrou um jeito de continuar ajudando a essa família. Convenceu a alguns colegas de cela a doarem dia sim, dia não os alimentos a eles destinados para enviarem àquela desamparada família. Além disso, antes de morrer, suplicou ao Divino o seu perdão e não esqueceu de suplicar auxílio também para a viúva.

- E eu pensando que todo ladrão ía para o inferno. Este foi esperto!

- Mas são poucos os que tomam essa atitude. O Céu está aberto para todos aqueles que tem amor no coração e que sentem verdadeiro arrependimento pelos seus erros. Temos lugar para ex-ladrões, ex-prostitutas, ex-viciados... aqui só não há lugar para gente soberba, egoísta, mentirosa, sem coração. Não temos lugar para fariseu. Aliás, ex-fariseu é coisa rara!

- É, estou vendo que aqui é bem diferente do que imaginava. Até acreditava que no Céu apenas tinha acesso quem era religioso.

Gabriel deu novamente uma risada e disse-me:

- Religião aqui não tem nenhuma importância. As pessoas cá são julgadas não pela fé, mas pelo amor que possuem. E o homem, meu amado,olha para o que está diante dos olhos; mas Deus ao que está dentro do coração! O que o Eterno exige dos seus filhos é isso: que se faça o que é certo, que se amem uns aos outros com dedicação e que se viva com humilde obdiência ao nosso Deus.

Saimos a passear por aquele lugar hiper-maravilhoso. Pelo caminho encontramos pessoas não só cristãs, como mulçumanas, budistas, judias, hinduístas... gente de todas as religiões e de todos os credos. Cheguei a ver pessoas famosas como Buda, Confúcio, Martin Lutero, Mahatma Gandhi, Kahlil Gibran, Krishnamurti, Tereza de Calcutá... Vi ainda com mais felicidade gente nossa como Dom Helder Câmara, Irmã Dulce, e me senti importante porque fui apresentado a todos eles.

- Vamos agora - disse-me o anjo - a outra parte onde você terá uma alegria ainda maior.

- Vou encontrar-me com o Todo-poderoso? - indaguei.

- Não. Infelizmente isso não é possível. Com o seu Filho, o Nosso Senhor, até que poderia mas, no momento, ele está tratando de algo importante. Mas se prepare para a próxima emoção.

Fiquei curiosíssimo. Primeiro (meu corpo ficou leve e começei a levitar) voamos para outra região. Depois descemos e caminhamos por uma rua próxima ao mar. Passei a ouvir o som longínquo de uma batucada. À medida que íamos nos aproximando, percebi que vinham cinco pessoas tocando, sambando e cantando. A música era conhecida: "O que é, o que é?" de Gonzaguinha. "Viver e não ter a vergonha de ser feliz; cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Ah, meu Deus!..." Apressei os passos deixando para trás o meu guia, mas antes lhe perguntando:

- Aqui também fazem batucada?

- Porque não? - respondeu-me também com uma indagação.

Fui reconhecendo os festeiros e gritei:

- Meu Deus! Não é possível! Será que são os meus amigos, mesmos?

- Claro! - respondeu-me o anjo - Eles foram informados da sua presença aqui e estão vindo lhe fazer uma recepção.

- Não acredito - bradei de novo e corri a abraçá-los, chorando de emoção.

Eram Américo, Nonon, Eduardo, Mundinho e Elbert na maior folia! Depois consegui falar:

- Caramba! São vocês, mesmos?... Puxa! Como todos estão jovens! - aparentavam mais moços do que eu poderia esperar - Parece que aqui tem a Fonte da Juventude ou um excelente serviço de cirurgia plástica!

Eles deram risada e, depois de me darem as boas-vindas, disseram:

- Aqui é o Paraíso e você poderá ter a idade que desejar.

Aí o Elbert sozimho falou:

- Quando os meninos para cá também vierem, eu quero que eles aqui fiquem com a idade de quando eu deixei eles, senão terei que chamá-los de meus tios-avós. Falar nisso, como estão eles?

- Estão muito bem - respondi e logo fui perguntando - E você aqui no Paraíso, além de se divertir, tem feito o quê?

- Trabalhando muito.

- Não é possível! Mas nem aqui no Paraíso você pára, pôxa? Faz o quê?

- A mesma coisa que fazia lá embaixo. Aqui a gente tem quase sempre a mesma profissão que tinha lá. E ninguém se aposenta... também ninguém se cansa!

- E a Lícia?... advogando também?

- Não. Lícia, não. Aqui no Céu quem exerce a função de advogado morre de fome. Lícia foi nomeada aqui para o cargo de professora de Ética Cristã. Como você pode ver, aqui ninguém quase sempre chega perfeito. Tem que tomar umas aulinhas. - E apontando para o Mundinho, completou - Aquele ali, por exemplo, é aluno dela.

- E o Nonon?

- Nonon, não, continua como arquiteto. Está, inclusive, construindo uma nova casa para mim, mas o serviço tá amarrado prá dedéu!

- É que falta dinheiro - explicou o Nonon.

- É que você é um merda, seu sacana! - gritou o Elbert, com aquele seu jeito.

O anjo Gabriel ruborizou-se e disse:

- Gente: que horror! Quero lembrar que vocês estão no Céu, lugar sagrado!

- Perdão seu anjo! Tinha me esquecido... - desculpou-se o Elbert.

- Foi sem querer querendo! - completou o Mundinho.

Quem não conhece o Elbert até fica chocado com o seu linguajar, achando que aquilo é mesmo uma agressão. Todavia quem o conhece sabe que aquelas palavras não procedem do seu interior. E ele é o maior amigo do Nonon. Tentei explicar pro anjo, mas ele me disse:

- Aqui é o Reino do Santíssimo. Não fica bem esses palavrões.

Neste momento chegou a Lícia e nos abraçamos. Ela ainda pode assistir a repreensão do anjo com Elbert. Então disse:

- Já falei a este homem milhares de vezes que se ele continuar assim vai para o Purgatório. Mas ele não toma jeito. Ele até já foi orientado aqui para fazer o meu curso, mas quem disse que ele apareceu lá?

O Nonon interveio, sorrindo:

- Ele tá querendo ir pra um lugar mais "quentinho", Lícia!

- É... - disse o Elbert batendo no ombro do Nonon - quero ir e levar você junto comigo!

Nesse momento, o anjo virou-se para mim dizendo:

- Vou deixá-lo agora à vontade com seus amigos e mais tarde nos veremos de novo. Até logo!

Aí desapareceu. Foi quando o Eduardo me perguntou:

- O que está achando daqui?

- Uma maravilha! - respondi - Não estou nem acreditando! Pensava que era um lugar rigoroso, cheio de proibições... mas estou até vendo vocês com latinhas de cerveja na mão! E isso aqui pode mesmo?

- Tomar vinho, cerveja, pode. E, mesmo exagerando um pouco a dose, ninguém fica embriagado.

- Isso é que é Paraíso! E eu achando que as coisas agradáveis eram todas do Inferno!

-Nada disso! - explicou-me ele - Aqui todos podem desfrutar de uma vida prazeirosa, agora com pureza!

- Mas a qualidade da cerveja que não embriaga pode ser boa? - perguntei curioso.

Ao invés de responder, ele virou-se pro Américo e perguntou:

- Cadê a cerveja do Evertinho?

- Já mandei pegar! - respondeu o Américo.

Quando a bebida chegou e tomei o primeiro gole, ficaram todos a olhar e a sorrir para mim. Em seguida perguntaram-me:

- E aí... o que achou?

Eles sabiam que eu tinha adorado porque é impossível o contrário. Respondi:

- Rapaz, que cerveja saborosa! Isso é que é cerveja! Lá embaixo não tem igual. Esta não desce nem quadrada nem redonda. Ela simplesmente desce gostosa!

- Você não viu ainda foi nada! - disse-me o Mundinho - Tem uma infinidade de coisas boas pra você conhecer, ainda.

-Vamos levá-lo agora - falou o Elbert - para o lugar onde você ficará morando.

Recomeçaram a cantar e a batucar a música do Gonzaguinha. Entrei também na folia. O Elbert e o Américo colocaram seus braços no meu ombro e fomos sambando rua à fora. Adiante passamos para uma outra rua, onde descortinava uma vista maravilhosa. Aí, numa bela residência moderna, adentramos mas não encontramos ninguém. Estava vazia. Entrar foi fácil porque as portas das casas lá não possuem fechaduras. Então me disseram:

- Esta será sua casa.

Eu quase desmaei. Havia uma ampla sala com um ateliê para a minha arte, tudo com bastante conforto.

- Aqui você vai se dar bem - garantiu-me o Mundinho - No Céu não falta trabalho para artista plástico.

Depois me levaram para ver os jardins do fundo. Gente! Que lugar encantador! Havia uma grande piscina e aí foi que vi que ali havia gente. Eram lindas jovens de biquinis a tomarem banho. Perguntei a eles quem eram aquelas moças e me responderam:

- Fique tranqüilo, não são intrusas. São anjas modelos que estarão à sua disposição para posarem para o seu trabalho.

- Galera - disse eu - não estou acreditando! - Melhor do que isso não pode ter!

- E vou lhe confessar uma coisa - disse-me o Eduardo - aqui não é pecado namorar elas.

- Mas você falou que são anjas... Aliás, e existe anjas? Até hoje só ouvir falar em anjos!

- Mas existe, sim. Não está vendo? Assim como existe anjo, também existe anja. É que elas não vão lá embaixo. A missão delas é somente aqui a nos acarinhar.

- Que maravilha! Isso é que é Paraíso! - repeti - Aqui não vai me faltar inspiração!

Ficamos alí até ao entardecer. Foi quando retornou o anjo Gabriel acompanhado de um senhor barbudo. Logo fiquei sabendo que se tratava de São Pedro. Tinha vindo para conversar com Américo. Ouvi quando lhe perguntou:

- E o treno hoje, como é que foi?

- Foi ótimo! - respondeu o Américo.

- Daqui há uma semana você sabe que já começa o campeonato e eu quero este time no ponto!

- Ah, com certeza! Fique tranqüilo, São Pedro. Estou exigindo da turma o máximo!

Depois o Américo virou-se para mim e comentou:

- Aqui também tem futebol. Fundei até um time: o "Triunfo Celestial". Está uma beleza e São Pedro é o nosso patrono.

Saber que estávamos no Céu, saber que meus amigos aqui eram prestigiados, livres da infâmia que eram vítimas lá Terra, me deixava muito feliz. O anjo Gabriel voltou a falar comigo:

- Se prepare de novo para mais uma emoção. Despeça-se agora dos seus amigos porque irei levá-lo a outro lugar e de lá só voltará amanhã.

Assim, fiz. E voamos para um local mais distante. Descemos em um bairro pouco movimentado. O anjo me levou, então, à uma casa com um pequeno e bem cuidado jardim. Lá havia uma árvore em cujos alguns galhos podíamos ver araras, papagaios e outras aves menores. Foi outra coisa que estranhei no Céu: bichos. Jamais imaginava que lá havia isso, também. E todos soltos e mansos! Vi até um leão deitado junto com uma ovelha. Bem, entramos na varanda (no Céu não existe em nenhum lugar muros, isto sim) e ali o anjo acionou a campainha da casa. Imediatamente a porta se abriu e quando uma senhora apareceu, gente, quase morro pela segunda vez. Era minha mãe. Em seguida veio também meu pai. Nos abraçamos e foi a maior emoção de todas. Chorei feito criança. O anjo nos deixou e ali fiquei o resto do dia e a noite inteira. Fomos dormir bem tarde. No dia seguinte, depois de um belo sono, meus pais pais passaram a mostrar-me várias coisas interessantes e ao meio-dia tive ainda o privilégio de almoçar com eles saboreando aquela moqueca que só minha mãe sabe fazer. Durante aquele momento, contei pra eles que ali no Céu iria ficar morando numa bela casa, porém todos os dias viria lhes fazer uma visita. Aquela moradia linda com um ateliê, piscina, cheia de belíssimas garotas, não me saía da cabeça. À noite tinha até sonhado com ela.

Passou-se mais alguns instantes, quando o anjo Gabriel regressou. E foi me perguntando:

- E aí, podemos ir?

- Gostaria de demorar mais! - respondi.

- Mas você - ponderou ele - poderá ter a eternidade pela frente para fazer isso quando desejar.

- E por que não agora? - repliquei.

- Porque é chegado o seu momento de retornar à Terra.

- Hein?!... - exclamei perplexo - Não estou entendendo! - Voltar à Terra... por quê?

- Infelizmente o final de sua visita chegou.

- Visita?! Que história é essa?

Meus pais assistiam também tudo aquilo com estupefação. Tentaram convencer ao anjo que poderia haver algum engano. Então resolvi tirar minha dúvida:

- Será que perceberam que me deixaram entrar aqui foi por algum descuido?

- Não, absolutamente. Isso no Céu não ocorre - afirmou o anjo. - Acontece, porém, que você está aqui apenas como visitante.

- Deveriam antes, pelo menos, terem me avisado. Como turista, tinha até trazido a minha câmera fotográfica. Agora não entendo: os meus amigos aqui até me mostraram uma casa que está reservada para minha morada!

- Isso não passou de uma brincadeira deles.

- Quer dizer que aquilo...

- Foi tudo lorota dos seus amigos - completou o anjo.

- Vi logo que era bom demais para ser verdade!

- Você está aqui apenas como nosso visitante e eles eram os únicos que sabiam disso.

- Visitante do Paraíso... mas desde quando isso é possível?

- Olhe, Everton, você foi até um privilegiado para isso. O Nosso Senhor está agora concedendo a algumas pessoas lá no seu mundo que tenham, muito antes de deixarem definitivamente a vida terrena, o prazer de conhecerem o Reino. O objetivo disso é para quando retornarem possam divulgar a real imagem deste Paraíso e, com isso, fazer com que as pessoas de lá voltem a ter mais interesse pela vida eterna. Este deveria ser o papel das igrejas contudo, infelizmente, nos dias atuais a maioria delas preferem fazer religiosos apenas com promessas de bênçãos. E o que vemos, também, é o aparecimento freqüente de pregadores que estão mais interessados nas ofertas dos fiéis do que no Reino de Deus. As igrejas viraram casas de negócio! Ademais, o que se prega lá sobre a vida eterna está também completamente errado, como você pode ver aqui. Parece até não entenderem o que está nas Escrituras e aí passam a inventar outras coisas.

- E eu aqui pensando que já ía virar santo e gozar a vida eterna! Confesso que estou frustrado... Não tem aí um jeitinho de me deixarem por aqui, não?

- Infelizmente aqui não é o Brasil. Queremos que você retorne e divulgue o mais que puder a verdadeira imagem do Paraíso que você vê aqui.

- Mas será que eu vou conseguir? Até de Jesus duvidaram!

- Faça um esforçozinho e conseguirá.

- Ah, já que não é possível a minha permanência, farei isso com certeza. Agora espero merecer uma recompensa depois.

- Olhe, meu amado - disse-me o anjo parecendo conhecer o meu desejo - se quiser mesmo vir morar aqui futuramente, tenho que lhe dar dois conselhos. Primeiro: continue sendo uma pessoa do bem, seja sempre generoso e justo para com os outros. Não prejudique a ninguém, pelo contário, procure ajudar a quem de você precisar. Segundo: não faça nada para antecipar a sua vinda para cá. Se isso tentar, pode ter certeza, aqui nunca você chegará.

E ao dizer essas coisas, me conduziu em seguida para um estreito portão onde de novo avistei o São Pedro. Logo chegou, se acabando de rir, a turma: Elbert, Lícia, Américo, Nonon, Eduardo e Mundinho. Vieram se despedir de mim. Aproveitei para lhes dizer:

- Mas nem aqui vocês deixam de pregar peças nos outros? Que coisa!

Eles riram ainda mais e depois me abraçaram. E o Elbert disse-me:

- Desculpe a nossa brincadeira, mas é que estamos convictos que um dia você estará ao nosso lado para sempre e aquela casa poderá ser sua.. Diga lá embaixo aos meninos, e à Jova, e à Heitor,que aqui tem um lugar reservado para cada um deles, também.

- Darei o recado. Agora, aguardem a minha volta, aquela brincadeira, vai ter troco!

Aí começaram a cantar o samba: "Eu sei... eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita!"

Foi quando o anjo me fez atravessar o portão e tudo escureceu e só depois de alguns minutos clareou e me vi no meu quarto, na minha cama e no mesmo lugar. Estava aqui de volta a este inferno. Isto foi terrível! Agora, não gostei também daquela brincadeira de mau gosto que os meus amigos me fizeram lá no Céu. Até São Pedro riu da minha cara!