SOBREVIVENTE

(É incrível como a madrugada chega rápido...)

Cada passo no chão fazia um som estalado e ao mesmo tempo um rangido estranho, talvez o som viesse de seus sapatos e não do chão. Assim, o tempo passava e os passos de um lado para o outro continuavam. Mãos firmes encostadas uma na outra apresentavam o aparente nervosismo e a testa franzida brilhava com o suor.

Aquele suspiro era quase inevitável e encarava os ponteiros correndo e correndo como um louco. Se louco eram os ponteiros ou quem encarava, não há como saber exatamente.

Do outro lado surgia aquele corpo belo caminhando lentamente e seriamente se aproximava. Os momentos seguintes eram congelados num silêncio profundo.

Estavam todos muito ocupados no momento. Na sala ao lado, alguns sorrisos ainda eram presentes e a conversa sobre a novela ou sobre o namorado atravessava os vidros e chegava aos seus ouvidos.

Aquele sofá não era confortável, era meramente um lugar de repouso ou a simples tentativa disto. E todas aquelas pessoas passeando de um canto para o outro parecia irritar-lhe a cada instante.

O corpo belo que caminhava lentamente já saíra de cena e ali restaram apenas cantos arredondados e uma pura e completa raiva regada à solidão.

Os sentimentos explodiam nele e ele explodia aos poucos.

Quantas e quantas faces o encaravam com uma expressão diferente da outra. Havia curiosidade em olhares aparentemente afetuosos, havia pena em olhares completamente vazios e havia identificação em olhares molhados.

E ele continuava ali sentado com as mãos na cabeça e cotovelos nos joelhos.

- Carlos!

Ele elevou aqueles olhos vermelhos e encarou o rosto plenamente familiar. Aquele rosto marcado e envelhecido e tão cheio de amor para dar lhe fitava firmemente.

- O que houve Carlos?

- Mãe!

Conter as lágrimas era praticamente impossível. Havia a dor cada vez maior dentro de si e os braços já se elevavam para um terno abraço materno.

- Carlos meu filho, o que houve? Conta pra mim por que estou sem saber de nada!

- Mãe, por favor, só me abraça! – já se aconchegava nos braços calorosos da mãe.

E toda aquela sensação forte lhe ocupava o coração como o sangue que preenche o corpo.

O sangue era sentimento.

Ele então abriu os olhos e estava ali segurando o volante com o rosto completamente marcado pelas lágrimas insistentes. Todas as imagens lhe penetravam a mente e ele não conseguia controlar a explosão de sentimentos em si. Apenas segurava o volante, observava não estar mais naquele lugar branco e sentia cada pedaço de seu corpo formigar levemente. A respiração rápida e o calor de dentro do carro encenavam junto ao sol intenso daquele dia.

- Ei mano, vamos logo. Estamos atrasados! – entrava André pela porta do passageiro e sentava-se todo sorridente.

- Que foi Carlos? Vamos logo.

Engasgado encarava o irmão e não conseguia sequer lhe dizer a sensação do momento. Apenas empurrou o irmão para fora do carro, pisou no acelerador e alinhou o carro para o muro.

Foi rápido.

***

Ali estava ele, caminhando de um lado ao outro da sala ouvindo seus passos produzirem um som estranho no chão enquanto a bela jovem se aproximava seriamente.

Os momentos seguintes foram regados à silêncio e solidão.

Observou cada um que sorria no cômodo ao lado separado por um vidro e encarava os sapatos sem piscar.

A dor era imensa e os seus sentimentos já apontavam de tal forma no seu íntimo que estava à beira da explosão.

- André, meu filho! Que houve?

- Mãe! Mãe! Me abraça! Por favor me abraça!

As lágrimas não puderam ser contidas e o abraço carinhoso da mãe o aninhava da forma mais quente e amorosa.

E aquele talvez tenha sido o real final da história.

Ou talvez aquele não tenha sido o real final da história.