Um Homem Caído na Calçada

Foi num sábado de setembro, noite quente, já me preparava para mandar fechar a farmácia. Eu era o farmacêutico e gerente de uma pequena drogaria num bairro de classe baixa. Chamavam-me de doutor, embora eu não gostasse, tanto os funcionários como os clientes. Estes na maioria não tinham condições de se consultarem com um médico e tratavam-me como tal. Eu estava em minha mesa, numa sala no fundo da farmácia, acabava de conferir o livro de receitas quando entrou gritando o balconista:

“Dotô!”

“O Que é?” perguntei.

“Estão chamando o senhor lá fora, um cara foi atropelado e tá caído na calçada.”

“Você viu o atropelamento?”

“Não, vi só a confusão de gente e o cara no chão."

Fui ver o que acontecera.

No trajeto até a porta da farmácia, ao atravessar o salão, uma cliente, senhora dos seus 70 anos, que comprava um medicamento para dor de cabeça, me parou.

“Doutor, tem um rapaz caído na calçada em frente a farmácia - disse a senhora – bateram nele e deixaram ele no chão; que maldade!”

“A senhora viu quem o agrediu?” perguntei.

“Não – respondeu ela – quando cheguei, ele já estava no chão.”

A cliente se despediu e foi pagar o medicamento no caixa; eu segui o meu trajeto, já avistando um tumulto em frente a farmácia. Atravessei a multidão de curiosos que cercavam o rapaz, e perguntei a um deles, o dono do supermercado ao lado , o que acontecera.

“O rapaz teve um ataque epilético e ficou aí caído na calçada, desmaiado.”

Realmente ele estava inconsciente.

“O senhor o viu tendo convulsões?” perguntei.

“Não, quando o vi já estava apagado, caído na calçada.”

Perguntei a outras pessoas que estavam em volta o que acontecera com o rapaz ali desmaiado, mas ninguém soube responder com precisão. Ouvi várias versões sobre o homem caído na calçada mas ninguém o havia visto no momento exato de sua queda.

Aproximei-me do inconsciente. Um homem de média estatura, pele morena e cabelos pretos, barba por fazer. Tinha uns 30 anos ou menos,. Nunca o tinha visto por ali e as pessoas em volta também não o conheciam. Agachei e me aproximando do seu rosto, dei dois leves tapas em sua face esquerda; ele abriu os olhos e suspirou assustado; senti o seu hálito, um hálito etílico. Olhei para as pessoas em minha volta, sinalizei com o meu polegar em direção à minha boca: era só um bêbado que tinha adormecido na calçada. Os curiosos dispersaram-se. Ajudei o ébrio a se levantar. Ele me olhou sem saber o que tinha acontecido, quem eu era e onde estava. Foi embora subindo a avenida, cambaleante, talvez para casa, se a encontrar; talvez para outro bar.