Fakeorama

- Fala, rapaz! Até que enfim, hen! Vai entrando, não repara a bagunça.

- Pô, demorei porque tava o maior trânsito na entrada do shopping, a fila de carros tá dobrando a esquina. Aqui, ó, trouxe um refri.

- Valeu. Senta aí, que já vai começar o programa. Vou até aumentar o volume que essa minha nova televisão é muito show de bola.

- Aí, quem diria que a Raisha ia acabar transmitindo o seu parto ao vivo, hen!

- Ah, cara, à Raisha e ao produtor dela não tem igual. Eu acompanho a produção deles desde que a Raisha era adolescente e fazia aqueles filmes pornôs, lembra? Aí teve a produção do casamento dela com aquele presidiário na penitenciária. Tudo idéia do João França. Cara, ele é o produtor mais fera de todos. Já te falei que ele me chamou pra trabalhar na agência dele, na filial da Zona Sul, só por que eu ajudei a editar aquele comercial do jeito que ele queria?

- Umas mil vezes.

- Então, o França é o cara. E quando a Raisha anunciou que estava grávida de proveta, bem no último programa dela? Idéia do França.

- É, mas essa da Raisha transmitir o parto ao vivo, filmado em um shopping center, com convites VIP´s para os amigos foi a jogada do ano. As lojas, os restaurantes, os cinemas..., o shopping tá lotado só pra esse evento. Desta vez eles se superaram.

- E o França teve ainda a sacada de divulgar este bebê como representante do brasileiro duzentos milhões. Vão também lançar ainda hoje o concurso para a escolha do nome do bebê. O prêmio para o nome escolhido vai ser uma visita a um estúdio de cinema mais um jantar com a Raisha.

- Pois é, e tu sabe que vão anunciar ela como embaixadora do Unicef depois do parto?

- Claro, ela merece. Não é qualquer uma que é mãe aos cinqüenta e cinco anos com esse corpo que ela tem, e ainda sendo mãe solteira. Tanto é que foi eleita como o exemplo de mãe do século, né.

- Ó, começaram a anunciar a programação, olha lá! Ih! Saca só quem vai abrir o programa, é a Eli Soares, a que foi a primeira assistente de palco da Raisha. Aí, cara, o Vinícius me falou que você já ficou com a Eli, no carnaval de Búzios. É sério?

- Sério. Tu lembra que uma vez passei fevereiro inteiro lá? Então. Ela tava num barzinho, cheguei nela e aí ficamos só por uma semana. Acabei terminando.

- Ah, fala sério! Você que terminou com a Eli Soares?!

- Sério, rapá.

- Pô, a mina é a maior gata, toda gostosa, e é tu que a dispensa?

- Ela não é gostosa, não. Na vida real, fora do digital, ela tem estria, celulite, muitas marcas de expressão. É melhor na TV.

- Pô, sacanagem, e tu nem me contou dessa parada.

- Aí, eu ia te contar esses dias, mas só depois de ela ter estreado na novela das sete.

- Por que só depois?

- Ué, e vai que tu vê ela pessoalmente por aí nas baladas e fica pensando que eu namoro mulher comum! É melhor que eu te falasse quando ela estivesse na TV, toda gostosa, melhorada, aí tu ia me pagar um pau. Mas e tu? Cadê tua mina?

- Terminei também, cumpádi. Pô, ela era muito... sei lá... boba, sabe.

- Ela ainda chorava quando assistia àqueles programas de famílias que se reencontravam depois de anos sem se ver?

- Vixi, ela era vidrada. Cê lembra, né? Então, eu também não agüentei a mina. Eu falava pra ela: “Mô, isso é só TV, não leva a sério”, mas ela levava a sério pra caramba, debatia os casos de família com as amigas, e tal. E com o passar do tempo a intimidade da gente foi se tornando muito... pô, muito... muito real, entende?

- Sei como é. Ih! Saca só: chegou lá a Lisandra Mello. A Raisha que convidou ela pra ser a madrinha do bebê. Ela vai até ajudar no parto. Aí, tomara que elas se beijem na boca de novo.

- Lisandra Mello?... Mas não é essa aquela garota que foi seqüestrada pelo namorado e ficou dois anos desaparecida, trancafiada no quarto dele, e depois conseguiu fugir, e daí ficou fazendo doce, demorando uns dois dias pra dar entrevista?

- É, ué. Então, depois que ela anunciou naquela entrevista que ia montar uma ONG, a Raisha foi até a casa dela pra ajudar a financiar a ONG, e aí se tornaram amigas.

- Ah, é. Foi até a própria Raisha que deu dicas de quanto ela devia pedir de cachê pra ela pousar nua pra revista Cute Candy, né!

- É. E ela pediu alto. Mas nem precisava! Ela já tinha cobrado um milhão pela entrevista exclusiva! Além do mais, já tinha sido até convidada para ser ela própria apresentadora de um programa de entrevista. Mas, ô, falando em Cute Candy, tu já viu naquela edição as fotos da Raisha? Taqui na gaveta, ó, vê aí.

- Ah, véio, eu não gostei muito dessa última idéia da Cute Candy, não.

- Deixa de ser careta. Só porque ela pousou nua grávida de oito meses! Tu andou namorando aquela menina emotiva por muito tempo, hen!

- Não é isso, não. É que aquela foto dela fazendo sexo anal com o cachorro passou dos limites.

- Ih, você tá parecendo meu professor de sociologia. Sai dessa! Essa foto foi um marco da Arte! Você vai ver. É polêmico agora, mas vai virar sensação no ramo das revistas masculinas. Tu não pensa em ver outras artistas grávidas fazendo anal com cachorros?

- Ah, sei lá. Achei imoral, só isso.

- Imoral? Como assim?

- Er... Nem tanto imoral. Achei exagerado.

- Exagerado? Mas o que é exagerado? Dá um motivo direito, pô.

- Tá, tô me expressando mal. Achei inconveniente, vai.

- Ah, tu quer dizer que não agradou a todos. Ah bom, isso sim. Mas isso foi marketing. E marketing, você sabe, não tem bom nem ruim. Deu polêmica: deu certo.

- Vendo por esse lado...

- Vixi! Essa não! Convidaram também o ex-big brother Tatoo! Olha lá! Ah, não, vão entrevistar o cara! Ah, deviam ter convidado o ex-brother Blau. Esse sim tem presença.

- Eu acho que não ia ficar bem convidarem o Blau logo agora que ele está sendo julgado por tráfico de drogas e pedofilia...

- Aí, véio, o que o cara faz na casa dele é problema dele. As pessoas deviam respeitar a privacidade dos outros. Ninguém tem o direito de julgar. Além do mais, a vida real dele não tem nada a ver com a TV. O Blau tem presença e devia estar lá, e não esse trouxa do Tatoo.

- Ah, tu não gosta do Tatoo porque no programa ele se mostrou o maior falso, né.

- Falso? Como assim, falso?

- Deixa pra lá... Quis dizer que ele jogou mal.

- Pois é, é isso aí. Escolheram um participante muito ruim de interpretação; não deu o menor Ibope. Agora fica aí, tendo que dar entrevista pra cumprir o contrato. Aí, ó, vou desligar a televisão. Vamos lá assistir ao parto pessoalmente. A gente conversa com o Toninho e ele dá um passe-livre pra gente. Chama lá o elevador, por favor.

- Cara, a gente podia estar lá esse tempo todo? Sabe quanta gente tá querendo assistir a Raisha e você, podendo estar lá, preferiu assistir pela televisão?!

- Claro! Assistir pessoalmente fica muito... muito natural. Ver pela TV, cheio dos efeitos digitais, tudo editado, é bem melhor. Mas fazer o quê, né? Vamos lá.

- Esse elevador panorâmico é da hora, héin! Ó, lá! Dá pra ver o Tatoo daqui, ó. Eita, está cheia a entrada do estúdio, hen!

- Isso é que é o lado ruim de se morar nos shoppings hoje em dia. Tem muito curioso vindo ver qualquer atração.

- Ué, então por que você quis se mudar do Boulevard Shopping, afinal?

- Ah, lá era legal, cara, mas o pátio de acesso ao condomínio tinha plantas de verdade. Imagina! Tinha folha que caía no chão, as flores atraíam inseto... Mas aqui, não. A estrutura do Cidade Shopping não tem nem comparação. A praça de alimentação faz rodízio de restaurante, todo mês tem um diferente, e sem contar que, com o estúdio de convenções aqui, toda semana é uma equipe gravando, um monte de amigo meu vem filmar e editar aqui. Me sinto em casa, praticamente.

- Irado!...

- Bom, agora é o seguinte. O Toninho tá ali. Eu entro com ele. Tu espera aqui na entrada. Vou pegar os crachás pra nós, aí eu te chamo, beleza?

- Pô. Demais! Vai lá.

- Fui! E aí, Toninho, firmeza? Como é que está pra eu entrar aí com um amigo?... Ãhn?!... O quê?!... Ah, fala sério!... Então, peraí que eu vou ver, depois eu te falo. Vou voltar lá pra frente pra contar pro meu amigo.

- E aí? Deu certo?

- Bicho, nem te falo! Tu sabe guardar segredo? Chega aqui. Ó, má notícia. Deu uma complicação no trabalho de parto e o bebê morreu antes de nascer, cara.

- Pô, que mal. E agora?

- Calma, deixa eu te contar a má notícia, pô. Os caras fizeram uma pesquisa, e vai dar pouco Ibope se anunciarem agora que o bebê morreu. Então a produção tá vendo se encaixa o Plano B.

- E qual é a jogada?

- Pô, fica na sua, mas, ó, a produção já tava meio que ligada nas condições dessa gravidez, então, é o seguinte: tem uma mulher contratada aí que vai alugar seu recém-nascido pra bancar o filho da Raisha por uma semana, aí depois ela devolve e divulga que o bebê morreu. O que tá pegando lá dentro é que dois canais de TV estão disputando pela exclusividade da notícia da morte do bebê na semana que vem.

- Mas e então, como é que a gente fica? Vambora lá ver como termina essa muvuca.

- Tô sossegado. Vai tu. Eu tô voltando pro meu apê.

- Ué, e tu não quer ver pessoalmente como fica a montagem do parto?

- Eu, não. O Toninho me contou que o bebê substituto é feio pra caramba, e que os produtores vão ter que modificar ele na edição. Você já viu quem são os produtores de vídeo?! Esses caras são feras! Quero ver na minha TV como fica a resolução desse bebê editado, ao vivo. Fui.

Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 16/06/2008
Reeditado em 16/06/2008
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