O BEIJO

O BEIJO

Aquela garota sonhava com o dia em que daria o seu primeiro beijo, como toda adolescente. Enquanto o momento não chegava, ensaiava nos abacates e no espelho. Olhos fechados, leves “bitocas”, sentia cócegas ao contato dos lábios com o objeto em que treinava.

Estava com 13 anos, conhecia alguns meninos da rua em que morava que dariam tudo para ser o estreante da “boca virgem”, mas, como prometera aos pais, só iria namorar depois que fizesse 15 anos (affff!!!!!!! ) ainda faltavam dois anos, até lá, continuaria a sonhar.

Havia um rapaz de nome Lourival que era filho da vizinha, esse jurava que seria o seu primeiro namorado, gostava de ficar olhando para ela como a ver uma santa, em adoração, mas o que ele queria mesmo era beijar os lábios carnudos daquela menina.

Ela, criada às margens do Rio Xingu, divertia-se em mergulhar na água fazendo acrobacias, depois, ia para casa brincar com as várias bonecas de pano feitas por sua mãe, era uma criança num corpo de mulher, mas nem se percebia disso, tamanha alegria que tinha em ser adolescente vivendo suas fases.

O que aquela garota mais gostava de fazer era ler seus livros de romance e literatura, também devorava as Seleções de Reader’s Digest, tudo isso a fazia “viajar” fora do seu tempo. As poesias escritas por Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e do Português Fernando Pessoa, a deixavam mais sonhadora, as histórias escritas por Jorge Amado, Graciliano Ramos e Machado de Assis sempre a faziam voar alto, qual “Ícaro”. Na escola, as professoras reclamavam que a aluna horas ficava dispersa, quando iam ver, ela estava com um livro dentro do caderno lendo, mas em tempo, fazia os deveres escolares.

Também jogava vôlei no time da igreja e nas horas que sobravam, fazia teatro de bairro, enfim, era uma jovem adolescente vivendo intensamente a sua época.

Mas... Voltemos à história do beijo, aquele que durante muito tempo, marcou a vida daquela menina.

Como havia a tal expectativa, quando ia dormir, imaginava tudo com muito floreio, até música de fundo ela conseguia ouvir, um dia, no retorno do colégio, ao atravessar uma ponte que separava o centro da cidade do bairro que morava, e quase chegando ao outro lado, um garoto que conhecia de vista, filho do açougueiro do seu bairro, que nem amigo seu era, todo sujo, suado, descabelado, veio ao seu encontro sobre uma bicicleta, e, de forma rápida, deu-lhe um beijo melado nos lábios.

Meu Deus! Ela não acreditou no que acontecera. Aquilo era terrível, havia sido beijada na boca, não pelo príncipe sonhado, mas por um sapo horripilante que saiu gargalhando ao encontro dos colegas que o esperavam do outro lado. Ele havia feito uma aposta com os amigos e conseguira cumprir o seu intento, dar um beijo na boca daquela garota.

A menina correu chorando para a sua casa, limpando os lábios com as mãos, chegando , lavou a boca com sabonete, escovou os dentes e desatou a soluçar, recebera o tão esperado beijo, mas nada fora como sonhara.

Ficou triste uns dias, ainda mais porque ele havia espalhado pela vizinhança que beijara a sua boca, ela contou para a sua mãe que conversou com o pai do menino, mas tudo acabou em nada, a boca deixara de ser virgem. Fora maculada por um estranho.

O Lourival quando soube, quase morreu, mesmo que viesse a namorá-la, queria ter sido o primeiro a ensiná-la sobre a arte de beijar, queria senti-la arrepiar-se de emoção, mas depois viu que nada mudara, aquele beijo roubado pelo moleque não mexera com o coração de sua pretendente.

Passado o tempo, ela foi estudar na capital, o Lourival ficou no interior aguardando-a voltar, com certeza, seria o seu primeiro namorado. Quando ela retornou para passar férias, já estava com 16 anos, conversaram e ela acabou dizendo que estava namorando o Sílvio, um rapaz que nem morava no bairro e nem era amigo da família, mas o irmão de sua melhor amiga. O Lourival ficou arrasado, tanto tempo esperando a menina e ela acabou namorando outro, mas, fazer o que? Acabou casando com outra garota amiga de ambos.

Bem, o tempo passou, ela cresceu. Não ficou com traumas por não ter sido beijada pelo príncipe adolescente (tanto treino...).

Mas o que quero contar mesmo é que já adulta, depois de namorar, casar, descasar... A menina encontrou sim, aquele que a um simples beijo, fez seu coração entrar em disritmia, eriçar todos os pêlos, secar a garganta, e molhar lugares bem guardados; O seu homem, o forasteiro que veio de longe, não chegou em um cavalo alado mas desembarcou de um avião. Era o que havia esperado por toda uma vida, chegou e foi logo dizendo o que queria, encostando-a na parede e dando inúmeros beijos, ora suaves, ora invasivos, gulosos, famintos, molhados, roubados, beijos, beijos e beijos, fazendo-a esquecer de tudo, levando-a entre as nuvens, arrastando-a a um labirinto de prazer.

E aquele sonhado beijo de adolescente, perdeu todo o sentido, ficou no passado, agora lembrado apenas para poder dizer que o beijo do seu homem amado é o melhor manjar dos deuses, arrebatando-a a cada bitoca, e, enfim, que valeu esperar o tempo passar. Hoje o seu amado chegou para demarcar o território e permanecer ao seu lado por todos os dias que ainda virão.

E o beijo dele... É tudo o que ela quer para si (E ELE SABE DISSO...)