A menina na janela

Quando conheceu seu pai, já dava suas desajeitadas voltas de patins pela Lagoa (os passos corridos aprendeu aí). E foi numa tarde suada de verão que ele chegou com uma boneca debaixo do braço. Não uma qualquer, era a que ela mais queria. Olhou-o, examinando cada detalhe. Então era esse o ex-marido de sua mãe, porque ela nunca entendeu o sentido da palavra pai. Ás vezes repetia para si mesma... pai pai pai pai, mas não conseguia juntar o som a nenhuma imagem, assim como não entendia que a mãe tinha um nome além de mãe. A mãe era a Mãe. Mas ele veio com o primeiro presente, a boneca, e ela rejeitou, largou mesmo. Não queria saber. Ficou num canto, sem afeto, a boneca vazia. E o tempo passou, e o vínculo estreitou. Nessa época, ainda sentia-se incapaz de pronunciar aquela palavra estranha. Mas aos poucos, sem sentir se acostumou e quando viu já era filha. Mas um dia, e sempre existe um dia, ele, o pai, enamorado de outros quereres, na contra-mão do sonho recém descoberto da menina que já tinha um pai, deu de faltar aos encontros quinzenais. Ela, da janela, com sua jardineira amarela, olhava a rua vazia. Desfazia-se então da roupa de passeio e chorava escondida para não entristecer ainda mais a sua mãe. Ele nunca mais deu um telefonema. Ela, sem nada dizer, foi crescendo na ausência, sem podas. Oito anos depois da janela, ele reapareceu. Marcaram um novo encontro e a menina já moça conheceu sua nova família e seus novos irmãos. Conseguiram formar um novo vínculo, mesmo que tênue.

E hoje, quando a sensação janela aparece, na angústia das horas, nas incertezas dos encontros, nos amores que se vão, debruça-se no parapeito e diz a si mesma: "Hoje já não há abandono, posso contar comigo. Já sou uma mulher."