Sonho Encarcerado

O nublado do céu parece seu parceiro cúmplice. É sombrio o cair da tarde, enquanto sua mente viaja em passos lentos, acobertada pelas recordações que gritam em escrínios silenciosos. As nuvens diluem seus pensamentos formando esculturas de algodão com suas lembranças, quase a cochichar ao mundo os sulcos das dores profundas desenhados no seu coração.

Sente-se invadida pelo perfume do mar e as imagens do passado brincam em seus olhos, como numa ciranda...

Era verão e o mundo se abria em sorrisos, quando se aproximava o momento de ir à Praia dos Amores. Não sabia bem o porquê, mas algo naquele lugar pintava auroras em seus olhos, provocando-lhe um eterno convite à vida. Quando lá estava, seus sonhos pareciam mais próximos de serem estampados com as cores do real. O cotidiano da cidade grande parecia-lhe distante, guardado em um porão, convenientemente esquecido. O mar encapelado acariciava-a, como se conhecesse cada parte do seu corpo. Observava o caminho que cada gota d’água percorria, descobrindo onde dormitavam os arrepios secretos de sua pele. Deixava-se, sem pudor, ser possuída por estes momentos, entregando-se aos marulhos de prazer que a água fazia em seu corpo gemer.

Foi num final de tarde, quando o sol já bocejava e o céu abria-se feito amante à lua que o avistara...não sabia ao certo se os seus olhos foram os primeiros a fixarem-se nele ou se nele, ela já morava. Mesmo sem estar tão próxima, podia sentir o coração dele pulsar, enquanto ele corria pela praia. Em segundos, sentiu-se invadida por um turbilhão de pensamentos que lhe pediam respostas sobre aquele homem. E uma a uma, as perguntas do seu coração iam atropelando os caminhos do seu cérebro...Pensou em como se aproximar, mas a campainha da racionalidade, logo tratou de preveni-la de que deveria recuar. Por algum motivo, sabia que sua vida estava entrelaçada a daquele homem. E assim, contrariando todos os seus instintos, permitiu que a sensatez a levasse dali.

No dia seguinte, acordou cedo. Aliás, seus olhos denunciavam o quão pouco havia dormido. A imagem daquele homem havia vagueado insone em seus pensamentos. Tudo que ela queria era que o luar se despedisse e que o manto do sol cobrisse o mundo de dourado, beijando as dunas que sussurravam sinfonias, quando era tocadas por cada alvorecer. Recusou o farto café que Joana tão carinhosamente preparara e correu à praia...

Sentou-se e ficou a observar as carícias que o mar fazia na areia, quando uma voz a fez estremecer:

- Mara, consegues escutar a canção que vem das ondas?

Levantou-se num sobressalto, e só então pode notar o quão alto ele era. Sentiu-se frágil diante da estatura daquele homem. Gaguejou, enquanto tentava responder ao que ele indagara. Apressou-se em perguntar-lhe como ele sabia do seu nome. Ele apenas sorriu enigmaticamente, falando que dela quase tudo conhecia.

Vítor, era este seu nome e não exagerara, quando mencionara que dela muito sabia. À medida que conversavam, percebeu que apesar de nunca terem se encontrado, um clima de cumplicidade se instalava. Quando menos se deu conta, fazia confidências àquele homem que acabara de encontrar. E assim, a semana foi transcorrendo.

Dali a dois dias, Mara precisava retornar à cidade, já que compromissos de trabalho a aguardavam. Naqueles dias em que Vítor fora sua constante companhia, o tempo parecia sem pressa e a felicidade indicava pistas que a conduziam para ele. Não importava quantas curvas o tempo fizera até aproximá-los.

Um jantar foi marcado no chalé de Mara, antes da viagem. Esmerara-se em cada detalhe, cuidando do cardápio, do vinho e da música mais adequada para aquele momento. Enquanto se vestia, viu-se dominada por um leve torpor. Foi até a janela e sentiu a fragrância das estrelas. Elas tinham um brilho diferente, como se também quisessem seduzir o céu naquela noite. Joana, interrompeu seus pensamentos, anunciando a chegada de Vítor.

Imperativamente, tentou esconder suas emoções e foi ao encontro dele. Um sorriso já a aguardava, enquanto ela caminhava em sua direção. Um silêncio se fez, quando seus olhares se encontraram. A lua parecia escrever um poema, quando os lábios dele encontraram os beijos de Mara. Ao som de “By Your Side”, cantado por Sade, uniram-se na primeira dança...as mãos de Vítor abriam as portas do seu corpo, sem qualquer resistência. Amaram-se incansavelmente, bebendo da taça dos desejos, que a cada momento derramava-se sobre seus corpos.

O dia amanheceu e um rastro de beijos e abraços ainda caminhava pelo quarto. Mara, observou-o ainda dormindo e uma lágrima inundou-lhe a face. Sabia que precisava partir. Lembrou-se das promessas de reencontro que foram feitas...

Levantou-se vagarosamente, rabiscando um bilhete, onde se lia:

“- Contigo, meu coração navegou na placidez de um lago, enleado pelo teu carinhoso afago. Contigo, meu corpo atravessou os mistérios dos desejos, quando me embalaste nas ondas do teu prazer. Meus beijos ficam em tua boca até nosso reencontro. Vejo-te em quinze dias neste mesmo lugar. Com afeto, Mara”.

Quando entrou no carro, lágrimas vestiram seu rosto. Prometera que seria forte, porque afinal não era uma despedida.

Foi a última vez que Vítor a vira. Quinze dias depois, voltara à Praia dos Amores, conforme havia sido combinado. Ela nunca apareceu e ele nunca entendera o porquê...

Um toque na porta faz com que Mara volte ao presente.

- Dona Mara, o fisioterapeuta acaba de chegar. A senhora quer ajuda com a cadeira de rodas?

© Fernanda Guimarães

Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 03/02/2006
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T107528