uma menina aparentemente normal

Por fora, seu quarto. Por dentro, seu castelo. Só ali ela podia exercer sua personalidade sem que os outros a olhassem torto, ou a julgassem por seu jeito incomum de ser. Ela não queria um namorado, não queria uma carreira, não queria montar uma família feliz. Ela só queria não ser obrigada a querer alguma coisa para sua vida. Seus pais achavam que era uma crise comum da adolescência, sua irmã mais nova se divertia ao fazer piadas aos amigos sobre o jeito excêntrico da irmã mais velha. Afinal, que menina de dezoito anos não se preocupava com o jeito que o cabelo havia amanhecido naquele dia, ou com a falta de amigos e namorado? Como alguém podia passar um fim de semana inteiro em seu quarto, só escrevendo naquele caderno de folhas azuis? Era incompreensível.

Talvez ela não quisesse parecer dramática ou diferente, ela simplesmente era assim, e ninguém conseguiria mudá-la. Ela se sentia como um não tão desejado animal doméstico de sua família, já que eles só forneciam comida e moradia. Talvez o cachorro recebesse melhor tratamento. Eles nunca tentaram entender o jeito dela, o motivo de ela agir assim, não se interessavam por nada além da imagem de 'família do ano' que queriam passar aos vizinhos e relativos, como se eles precisassem seguir esse exemplo patético.

Esse mundo não era feito para ela, e ela não queria se adequar a ele.

Os pais tentaram psiquiatras e profissionais de todo porte para analisá-la, e o diagnóstico era sempre o mesmo: era uma menina aparentemente normal. Afinal, não poderia ser diferente, porque para ela, o normal era não querer ser igual aos outros. Mas para a humanidade em geral, gostar de ficar sozinha e não acreditar em religião é anormal. O direito de escolha e o tão defendido livre-arbítrio eram sempre ignorados; a pessoa tem que ser daquele jeito e pronto. Se não, discriminação na certa. Era justamente isso que ela sentia, e por isso resolveu tomar aquela decisão, fazer aquele favor as pessoas e a si mesma.

Ah, se ela pudesse ouvir os comentários posteriores! Se ela pudesse ver como todos exerciam fielmente sua hipocrisia quando choravam dizendo o quanto ela era inteligente e única! Na internet, inúmeros recados de desconhecidos desejando paz. Paz a quem? Como ela leria os recados? Ela certamente se questionaria em seu caderno: Sou eu a icompreensível?

Thaísa Águia
Enviado por Thaísa Águia em 11/07/2008
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