A Fórmula

Givanildo da Silva, bancário, 55 anos de idade, fumante, cardíaco, hipertenso e hiperlipêmico, entrou no consultório do Dr. Roberto Carlos, médico conceituado, para mais uma consulta de rotina. Após examiná-lo e analisar seus exames laboratoriais, o doutor diz ao paciente:

-Senhor Givanildo, vejo aqui que sua pressão continua alta e seu colesterol não baixou.

Givanildo olha para o chão, envergonhado. O médico continua:

-Pelo visto o senhor não está fazendo a dieta que lhe passei.

- Mas doutor, lá em casa não tem como fazer dieta. Minha esposa faz uma comida muito gostosa e todo final de semana meus irmãos se reúnem lá em casa para fazer churrasco. Doutor, eu não resisto a uma carne com a gordurinha derretendo.

- E as caminhadas que o senhor deveria fazer, está fazendo?

- Não estou tendo tempo, doutor.

-Givanildo, se o senhor quiser viver por mais tempo vai ter que arrumar tempo.

-E os medicamentos, o senhor está tomando?

-Estou tomando, doutor, mas às vezes eu paro de tomar por causa dos efeitos colaterais.

-O senhor não pode parar de tomar a medicação, seu Givanildo, é ela que está mantendo o senhor vivo. O senhor não quer viver muito ainda?

-Claro doutor, - neste momento passa pela cabeça de Givanildo a imagem de sua esposa e filha, que o amam muito e são a sua razão de viver - eu gosto muito da minha vida.

-Então tome os medicamentos conforme a receita que eu passei, siga a dieta e faça uma caminhada de uma hora pelo menos três vezes na semana. Se o senhor não fizer isso tudo, terá pouco tempo de vida. Até o próximo retorno Sr. Givanildo.

-Até logo Doutor.

Em casa, Givanildo conta, à esposa Madalena e à filha Ana, o que disse o médico. Elas ficaram apavoradas com a hipótese de perdê-lo e disseram que fariam de tudo para que ele conseguisse seguir as ordens do médico.

Então, com a ajuda da esposa e da filha, Givanildo começou a se cuidar. Dona Madalena passou a fazer comidas mais leves e com pouco sal e Ana caminhava com o pai pela manhã. As duas também cuidavam para que ele não se esquecesse de tomar os remédios.

Alguns dias depois, Givanildo recebe a visita de sua irmã Abigail, uma senhora de cinqüenta anos e viúva. Depois que perdeu o marido, morto por um câncer, Abigail começou a preocupar-se obsessivamente com sua saúde. Sentia sintomas de doenças que nela eram inexistentes, se automedicava e fazia tratamentos absurdos: tornou-se uma legítima hipocondríaca. Ela soubera do estado de saúde do irmão e ficara preocupada.

Givanildo convidou-a para almoçar com toda a família. Ela tinha uma novidade:

-Meu irmão, eu estou tomando um remédio fantástico, ele cura todas as doenças.

-Não existe um remédio que cura todas as doenças – disse Givanildo.

-Mas esse remédio cura. Chama-se: Fórmula Indígena. Toda vez que eu adoeço, eu faço o tratamento com ela. É tiro e queda. Qualquer doença que me aparece ela cura.

-E como você descobriu isso?

-Foi minha vizinha. A sogra da prima da amiga da namorada do irmão do genro do patrão do filho da minha vizinha estava com câncer. O marido dela soube da Fórmula Indígena por um amigo que lhe deu o telefone do fabricante e ele comprou o remédio. Ela começou a tomar e um mês depois voltou ao médico, fez novos exames, e acredite, ela estava curada..

-Mas ela fazia quimioterapia ou outro tratamento convencional?

-Meu querido, esses tratamentos não resolvem nada, o que a curou, foi a Fórmula; e como ela cura qualquer tipo de doença, eu acho que você deveria experimentar.

-Obrigado, minha irmã, mas agora eu estou seguindo o tratamento como o meu médico mandou e estou me sentindo muito bem.

-Ótimo, mas eu vou deixar com você o telefone de quem faz a Fórmula Indígena. Se você quiser se ver livre desse tanto de remédio, seria bom experimentar.

Depois do almoço, Abigail foi embora.

Givanildo não acreditou na irmã, mas guardou o papel com o número do telefone do fabricante da tal fórmula.

Um mês depois Givanildo retorna ao médico e este constata a excelente recuperação do estado de saúde do seu paciente: a pressão arterial está controlada, reduziu o colesterol e o coração estabilizou-se. O médico disse para continuar o tratamento. Givanildo contou que estava sem vigor e perguntou se não poderia tomar algum remédio para o problema: impotência sexual. O médico disse que não, e que se ele tomasse poderia morrer por causa de uma interação com o medicamento para o coração.

Givanildo e Madalena, mesmo após 30 anos de casados, ainda tinham uma vida sexual intensa. Ele sempre foi um romântico sedutor e um eterno apaixonado por Madalena e ela por ele. Uma paixão plena e vigorosa. Mas agora, Givanildo por causa do efeito colateral dos medicamentos que tomava não possuía mais o seu vigor. Madalena buscava tranqüiliza-lo depois de tentativas frustradas, mas ele já estava desesperado; queria abandonar o tratamento, mas Madalena não deixava. Givanildo temia perde-la.

Na busca desesperada por uma solução, Givanildo lembrou-se da Fórmula que sua irmã lhe informara. Pegou o papel com o telefone do fabricante, que guardara meses antes, ligou e marcou uma consulta para comprar o remédio. No local marcado, o fabricante que se passa por “Doutor”, perguntou:

-Seu Givanildo, qual é o seu problema?

-Sabe doutor, eu tenho pressão alta, problema cardíaco, entre outros e os medicamentos que eu tomo me causaram impotência. Eu soube que o senhor fabrica uma fórmula que cura todas as doenças.

-É verdade, é uma fórmula natural que eu ganhei de um curandeiro indígena no Xingu; por acaso o senhor já viu índio com impotência sexual ou pressão alta?

-Não, mas por que sua fórmula não é vendida em farmácias como um medicamento, o senhor poderia estar ganhando muito dinheiro.

-As farmácias e a indústria farmacêutica não querem saber de um medicamento que cura tudo, eles querem só medicamentos paliativos, que as pessoas tenham que tomar a vida inteira, para eles lucrarem mais. São uns picaretas.

-E tomando a Fórmula Indígena eu posso parar de tomar os remédios que o meu médico me receitou.

-Com certeza, seu Givanildo, esses remédios só fazem mal ao senhor.

-Quanto custa a fórmula?

-Quinhentos Reais.

-É muito cara, doutor.

-Mas o senhor não quer de volta todo o seu vigor sexual? Vale o sacrifício.

Givanildo comprou a Fórmula Indígena. Em casa, ele mostrou o produto à esposa, que não gostou; mas Madalena o fez prometer que não abandonaria o tratamento médico. Ele mentiu, pois, Givanildo parou de tomar os medicamentos. Quando Madalena lhe entregava os comprimidos, ele fingia que os engolia; depois que a esposa se afastava ele jogava-os fora, mas continuou com a dieta e as caminhadas.

Givanildo recuperou o vigor sexual, Madalena ficou surpresa e acreditava que era por causa da garrafada, ele também. Duas semanas depois de ter começado a tomar a Fórmula Indígena e abandonar os medicamentos, Givanildo sentiu uma forte dor de cabeça e no braço esquerdo; já era noite e ele foi dormir. Pela manhã, bem cedo, Ana pergunta á mãe se o pai não vai fazer a caminhada matinal:

-Quando me levantei seu pai ainda estava dormindo, eu não quis acordá-lo muito cedo; vai chamá-lo para a caminhada.

Ana foi ao quarto, o pai ainda estava deitado, imóvel. Ana chamou-o.

-Pai! Papai! – ele não respondeu.

Ana o sacolejou. Nada. Ela gritou:

-Mãeeee...

A ambulância levou Givanildo ainda com vida para o hospital. Após ter socorrido o paciente desfalecido o médico informou à mãe e filha que Givanildo teve um acidente vascular cerebral, conhecido como derrame cerebral e também o início de um infarto do coração, mas foi salvo pela equipe médica.

Dez dias depois, Givanildo recebe alta e volta para casa numa cadeira de rodas. O derrame deixara seqüelas irreversíveis. Ele não se movimentava, não falava mais, ficava o tempo todo na cama, em estado vegetativo. Madalena e Ana descobriram que ele tinha parado a medicação por causa da fórmula; elas encontraram os comprimidos, que ele deveria ter tomado escondidos em uma pequena caixa. A fórmula ele tomava religiosamente antes do derrame.

A campainha tocou. Ana foi atender. Era sua tia Abigail. Ana bateu-lhe a porta na cara.

Abigail soube o que acontecera com o irmão somente no dia em que ele saiu do hospital. Trazia uma novidade: um comprimido que recuperava pessoas que haviam sofrido derrame cerebral. Ela descobrira na internet. Abigail morreu naquele mesmo ano de intoxicação medicamentosa.