Cânticos Gregos / Capítulo I

Capítulo I

…era uma vez Eurídice de cabelos anelados não a Eurídice filha de Lacedémon e de Erifile não a Eurídice mulher de Creonte rei de Tebas que imolou o filho Meneceu a Ares por motivação prevista num compêndio de teorias políticas não sim a Eurídice a Dríade de cabelos talvez anelados e olhos da cor do Egeu o mar grego desposou Orfeu Orfeu poeta lendário da Grécia o maior? Filho de Eagro rei da Trácia e de Calíope quem não cantou Calíope!? a primeira de nove musas de ar majestático diríamos esfíngico quem não cantou Calíope!? ela que inspirou os grandes poetas épicos enfrenta o Sol como queria Aristóteles de Estagira ou Diógens por certo Diógenes quando dirigiu as palavras a Alexandre que um dia seria grande afasta-te que me impedes de olhar o Sol quem não cantou Calíope Homero? Hesíodo? Calíope repito de ar majestático enfrenta o Sol com a fronte cingida por uma coroa de ouro uma coroa de ouro cingindo-lhe a fronte erguida como uma escultura de Praxísteles imponente com a luz solar na face o brilho de ouro na sua fronte majestática de luz uma das esposas de Apolo Apolo Musageta Eurídice a mulher de Orfeu passeia pelos campos áridos da Trácia adormece à sombra das oliveiras gosta do vento e dos temporais come figos com as amigas e companheiras colhidos nos campos extensos da Trácia jogam e riem-se e cantam enquanto a luz dura até ao pôr-do-sol ouçam as suas vozes vejam a beleza desses corpos divinos refulgindo nas sombras observem o encantamento quase pueril dessas ninfas quem não as cantou!? a beleza! corpos dançam por entre flores vermelhas e azuis os cabelos colados ao vento a pele desnudada os olhos feridos pela luz da tarde a luz ferida de imensa beleza ó beleza da mulher! ó beleza das mulheres inscrita nas ninfas gregas! Eurídice e as companheiras na inocência dos campos imensos da Trácia da Grécia dos filósofos dos poetas dos trágicos das bacantes do vinho resinoso das ménades de Aquiles das bebedeiras orgiásticas de Pã venerado na Arcádia Grécia de Eros e Tánato de Édipo de Epicuro e Ésquilo do mar onde os deuses mergulham no mar pelas mãos dos humanos Grécia de Afrodite dos deuses que riem das sereias de Letes do Oceano dos imortais…Grécia de Alceste Helena Ifigénia da alegria libidinal da loucura da alegria pela vida… Grécia ouçam e vejam repito porque só os poetas cantarão esse cenário de beleza Eurídice perseguida por Aristeu o pastor de rebanhos fixem este nome Aristeu corre atrás das ninfas toca-lhes com os dedos longos as vestes de linho branco Aristeu a maldição apaixona-se por Eurídice que corre e escapa não ao destrino escapa a Aristeu e é mordida por uma víbora e morre morreu Eurídice e toda a luz se extingue morreu Eurídice ó deuses como suportar a dor desta morte como viver sem a vida de Eurídice morreu num instante aquela que antes era vida aquela que corria aos gritos pelos campos morreu a mulher de Orfeu quem não a cantou!? Orfeu o poeta cumulado dos dons de Apolo tocava lira de nove cordas em homenagem às musas a música inebriante do poeta os rios tornavam-se imóveis as pedras seguiam-no as aves paravam os seus murmúrios as águas agitadas tornavam-se calmas ele que viajou ao Egipto e inspirou-se nos mistérios de Osíris para fundar os mistérios Órficos em Elêusis ó deuses que destino preparastes ao poeta que dor o destino lhe preparou ó deuses inspirai-me agora a mim deixai-me abreviar o mito dai-me as palavras últimas para cantar a tragédia eu próprio sinto já a dor como Goethe no Werther Orfeu quase louco teve a permissão de visitar Hades o inferno o mundo dos mortos e resgatar a ninfa trazendo-a de novo à luz aos campos ao Sol ao vento ao amor aos campos ao vento à luz conseguiu? leitor se não houver coragem deixai aqui as palavras perderem-se como Lautréamont avisou em Maldoror deixai aqui a história terminar sem fim que a imaginação fértil e feliz vos acompanhe leitor que o mito seja todos os mitos possíveis leitor esta é apenas a história de Orfeu e Eurídice uma história divina… mas se houver coragem leitor...