Conto de uma noite

Acordou subitamente no meio da noite. Levantou. Com as mãos geladas, bebeu água. A angústia lhe era maior que os outros dias. Preocupações com a vida cotidiana o ameaçavam de morte. Vestiu o sobre-tudo preto juntamente com o chapéu e resolveu que iria sair.

Saiu. A noite era a mais escura que já vira. Sentiu... e pressentiu algo. Entanto, seu corpo era movido por um impulso involuntário rumo à escuridão, ao desconhecido. Andando, relaxou, mas algo estava a lhe corroer a alma. Mastigava-o por dentro. Suas entranhas doloridas imploravam por melhores dias.

Não aguentou. Sentou em um banco distante e solitário, às margens de um velho e pacato rio. O tempo parou, o silêncio era estarrecedor. De repente, algo move-se abruptamente nas águas do rio, que por um momento parecia inerte. Uma força descomunal, com uma inacreditável intensidade fazia o rio parecer um redemoinho! Seus olhos pasmos fixaram-se naquele fenômeno... Era muito estranho, parecia ouvir gritos, lamúrias incessantes como que vindos das piores torturas do inferno... Cessou subitamente.

Uma folha seca cai no rio. Olhou-a, fixou seu pensamento distante, como que tentando entender.Ilusão? Não conseguia assimilar. Era uma noite fria, mas estava com calor. Tirou o sobre-tudo preto e seu inseparável chapéu,e ao colocá-los ao seu lado, uma surpresa! Sua consciência indagava se estava mesmo acordado...

Um homem que parecia um vulto, uma sombra, estava sentado ao seu lado, quase encostado em seu ombro. Susto? Temor? Não é bem a palavra. O homem não tinha expressões nítidas, possuía apenas feições fúnebres, porém, com um olhar tentador. Também vestindo preto, o homem era de uma beleza exótica. Seu ar era indagador, questionador por excelência, sua presença perguntava o significado da Vida com apenas um sorriso.

Silêncio. Não trocaram uma palavra. Mantinham olhares fixos. Nos olhos do homem passava uma vida de futilidades e poder, onde adquiria-se tudo em excesso e todas as virtudes dissolviam-se em orgias. Simpatizou. Era uma vida aliviada. Sentia necessidade do auxílio deste homem excêntrico, necessitava de um renascer, uma nova vida. Sorriram.

A noite pertencia a uma densa neblina. Os astros não se revelaram. Renunciava às angústias, os sofrimentos, queria ser melhor. Caminhava por um túnel exuberante e maravilhoso, onde passava toda a sua vida perante sua face humilhada e desvalida. Sabia seu destino, os olhos de fogo do homem. Estava decidido.

De imediato, como por magia, interrompeu.

O seu peito se expandiu em Luz e suas grandes asas pesaram-lhe as costas. Sentiu frio. Os olhos do homem brilhavam, ele fazia questão em recebê-lo. Não tinha como recusar, a situação o obrigava. Momentaneamente, o dia clareava. Para espanto, era tarde. Era hora de encara suas angústias. Vestiu o sobre-tudo preto, pegou seu chapéu e acenando com a cabeça, despediu-se.

O dia amanheceu com o ardor intenso da alma, tão concentrado quanto os outros dias, mas dormia, sossegado, com a certeza do Amanhã.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 07/02/2006
Reeditado em 09/02/2006
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