Quadrados

Entre as páginas amarelas do quarto, estava presente Matheus, com seus sonhos nublados.

“Estes demônios me incomodam. Há alguma solução para isto?”

Matheus com sua simples vida era levado, com expressões refletidas em telas com cores. Paula, sua mulher por consideração, fazia bijuterias para ganhar dinheiro a custa das ‘amigas’.

- Paula, porque você ainda vende essas porcarias de gente desocupada? Disse Matheus - Porque sou uma mulher desocupada, então, sustento-a para ficar a toa? O que você acha? Retrucou Paula

Houve um silêncio que, na verdade, nada tinha de constrangedor...

- E você? Me julga por nada... A sua prática não é tão diferente da minha.

- Mas minhas coisas a toa têm cores que as disfarçam, semelhante as pinturas surrealista. Eu, portanto, dentro da arte, não sou considerado um desocupado. Expôs Matheus tranquilamente.

- E eu, dentro da realidade, não sou, considerado por muitos, desocupada, pois a minha desocupação rende dinheiro.

Paula, farta da conversa, direcionou-se a cozinha, para acabar com a sujeira da pia, onde sujeiras de lembranças corroíam o presente.

“Me pergunto porque esse homem me incomoda tanto, cumpro, com boa vontade, minhas obrigações e faço simplesmente bijuterias para ganhar um dinheiro a mais. O que há de mal nisso?” Pensava Paula com seus eus imaginários.

Matheus colocou seu cavalete, companheiro de muitos anos, próximo a janela de seu quarto, afastando-se, semi-nu, de sua cama que, em sua miserável existência, guardava vestígios carnais. Encostado a porta do quarto, Matheus observava a tela branca, pensando no que aquele quarto amarelo poderia oferecer a sua brilhante mente imunda; não havia nada mais do que velhas recordações dum passado extravagante, nada de origem metafísica.

O dia que corria do outro lado da janela, não importava; apenas pensava em sua tela branca, com todas suas falsas lembranças de que algo bom aconteceu e tentando reformular, inconsciente, um novo passado, para provar a si mesmo que foi um bom homem e o que poderia aparecer no quadrado vazio. O tempo de Matheus corria de maneira diferente do que se apresentava do outro lado. Solto a estrelas pessoais, vivia um momento íntimo com universos paralelos (aqueles que os mortais ignoram), agradando-se de todo esse orgasmo ridículo.

“A pressão deste maldito irreal me atormenta”

Paula, da cozinha, observava seu amante, de muitas fantasias sexuais não realizadas, procurando sua inspiração, que, todavia, não apareceria tão cedo, como o ladrão da noite, se perdia em pensamentos profundos onde nem mesmo ele se entendia. Ela não entendia o que esperava, já que, na verdade, era somente borrar o quadro para alguém que, com pouco entendimento sobre arte, comprasse e pendurasse na parede de sua sala pensando ser uma obra de arte, sem saber o que é a arte em si.

- Por que não faz telas abstratas? Ecoava a voz de Paula da cozinha.

- Para pintar é necessário entender.

Entender era uma coisa que Paula não entendia, mas, na verdade, poucos humanos entendem, não é grande novidade; mas se perguntava: “Entender o que?”, sem saber a razão do que é entender para Matheus.

- Mas... então, o que é entender?

- Entender é não entender, usar, talvez, uma lógica irracional, ser louco. Querer, talvez, ser verdadeiro. Acredito que isto é uma das coisas que destrói o homem.

Um saboroso silêncio instalou-se no quarto amarelado.

Paula, com sua insatisfação, voltou para a cozinha sem entender nada, mas não importava a ela. Sim, pouco importava para ela, porque nunca quis, realmente, entender nada, não se deu conta de sua falsa existência. Uma mulher nua perante os olhos do observador.

“Ainda bem que me acostumei com isso”

Aproximou-se da janela, ao lado do cavalete, com passos pensantes. Matheus, em sua verdade, não sabia o que fazer, isto já não o incomodava, estava a beira do desespero. Sua consciência, por si mesma, não conseguia assimilar as diversas realidades, provocando um grande caos, daqueles que são criados em copos imaginários, devorando-o sem piedade.

Com olhos cansados, olhava para a rua silenciosa. Havia crianças brincado de peteca, Matheus quer um pouco de chá? Não obrigado. Um homem sentado debaixo dum toldo na calçada, fumando um cigarro, sua fumaça se separava na aba do chapéu e acomodava-se debaixo do toldo, formando uma pequena nuvem de saudade que não se precipitava sobre o individuo.

Vendo isto, querido não quer torradas? Não querida, obrigado... Matheus lembrava do seu tempo de solidão, que, na verdade, até o presente momento, nunca o abandonou; onde, a noite, ficava perambulado, pensando no que fazer com seus demônios.

- Matheus, minhas vendas estão rendendo um bom dinheiro. Falou com um leve sorriso de provocação.

- Que bom querida.

O incomodo de sua realidade não podia se explicar. Tantas vezes procurou entender essas diversas realidades, mas, durante trinta e seis anos, não entendeu. Sua busca cansativa por essa compreensão sobre o inevitável estranhamento, com o que, por muitos, se considerava loucura; talvez, aqui, não se tenha uma idéia do que seja loucura; tanto fora como dentro sempre será uma grande incógnita. Matheus era um louco de carteirinha.

“O que fazer com esse quadro branco?”

- Não lhe surge uma boa idéia?

- Só idéias confusas.

- Por que não usa essa confusão e propõe ao quadro?

- Ele não aceitaria. Seria algo nojento.

- Como? Você não expressa sua loucura em suas pinturas?

- Sim, mas são loucuras lógicas, que tem um sentido; mesmo que seja um sentido para um outro louco.

- Então, na verdade, falta compreensão do seu caos.

- Aham.

Era isto que incomodava Matheus, verdadeiramente, era sempre isto o que incomodava. Matheus adorava. Essa incompreensão de sua própria loucura, o que realmente movia a sua vida, sua morte, a todo momento, a cada homem que surgia; era essa provocação que trazia uma satisfação agradável, provocada por ele mesmo.

-Matheus, o que é isso? Parece um...

- Sim, é a compreensão de minha loucura.

Dionísio
Enviado por Dionísio em 22/07/2008
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