O Último Tango das Almas-Gêmeas

- PREFÁCIO -

Isadora acreditava fervorosamente em uma Alma-Gêmea que a viesse tirar da sua extrema solidão e carência afetiva.

Alma-Gêmea pressupõe um desejo inatingível, baseados em conceitos vagos que só a nossa mente é capaz de engendrar, conforme a história que vos conto...

I

Isadora vestiu-se primorosamente, com aquela roupa que sempre gostava de pôr, e que a fazia sentir-se bem consigo mesma. Se perfumou com seu mais atrativo exilir,e apetrechou-se com inúmeros

adereços, que à fizessem o mais atraente e desejada quanto possível.

Era assim o seu mais íntimo desejo.

E partiu para uma boate, em busca do amor.

II

Na chegada; no meio daquele alvoroço seu primeiro olhar deteve-se num rapaz extremamente belo, segundo sua concepção de beleza.

Extasiada com tamanho deslumbre, seu olhar se apegava nos mínimos detalhes daquele rapaz.

A maneira como ajeitava seu cabelo, com charme e desenvoltura sensual. Seu porte atlético e másculo. Suas roupas de extremo bom-gosto e presença marcante, à deslumbravam nos seus mínimos detalhes.

Completamente à mercê daquele homem, elaborou uma estratégia de o conhecer.

Com um oportuno esbarrar, acompanhados de um doce pedido de desculpas, seu olhar prendeu-se imediatamente nos olhos de seu cobiçado requerente.

- Sou meio distraída mesmo. E sorriu entusiasticamente.

- Com licença! - Respondeu secamente o homem de queixo erguido afastando-a com alguma soberba. E partiu sem mais delongas.

Surpresa com tamanha arrogância, e balançando levemente a cabeça, em sinal tímido de frustração, ela volta a ocupar seu lugar de ponto de partida.

Olhando o vazio, e ainda se refazendo do momento, ela é repentinamente interpolada por um sujeito que a observava à já algum tempo, e com um padrão de beleza muito abaixo do seu algoz.

- Oi, não pude deixar de reparar em você naquela situação embaraçosa. Que lamentável, não é mesmo!? Não existe mais bom-senso e cavalheirismo!

Ela o olhou, ainda com mágoas do ocorrido, e foi taxativa em lhe responder.

- É, os homens são todos iguais. E saiu à francesa...

Acho que fui um pouco grossa com esse rapaz. Mas também ele não era nada do que eu procuro aqui! - Pensou decidida e sem pestanejar.

III

Nisso, pouco tempo depois sua atenção prende-se num rapaz que parecia o centro das atenções de uma roda de amigos. Todos riam entusiasticamente de suas prosas. Volta e meia o puxavam para uma outra roda, e o ciclo de paródia recomeçava.

Bem, Ela pensou. - É tudo que eu preciso agora! De conhecer alguém que me levante o astral.

Seu olhar voltou a fixar-se, outra vez hipnótica e cheia de sonhos. E agora naquele alegre e esfuziante rapaz.

E reteve-se por um longo tempo naquele moço, até que alguém do grupo dele que à observava, subtilmente à denunciou ao seu novo aspirante.

Ele ouviu o delatar do amigo sem despertar sua atenção, e dirigiu-se pouco depois em sua direção. Com um sorriso, acompanhado de um piropo pouco maduro, anunciou sua chegada.

- Já é meia- noite né ?

- Sim, já é! - respondeu ela sorrindo.

- Nossa, hora de perder o sapatinho né Cinderela! - e risos e mais risos de aprovação de seu piropo.

O resto da conversa, não teve o impacto tão negativo como desta feliz investida, mas foi um interminável suceder de piadas sem a menor graça, e suas abordagens anedóticas já estavam se tornando tão enfadonhas, que ela resolveu ir ao bar pegar um drink...E fugir à sete pés daquela criatura patética e de humor pastelão o quanto antes.

IV

Já no bar, em frente à pista de dança, e após uns vigorosos e revigorantes goles, vislumbra um homem já de uma certa idade dançando entusiasticamente um tango. Vestido impecavelmente, de terno de linho preto e gravata roxa , adornando uma bela camisa de tom azulado, seus passos coordenados à detiveram por um bom par de minutos.

Mais uma outra música tanguera ecoava no salão, e o olhar indefectível, misterioso e certeiro daquele homem à deixavam louca!

Parecia concentrado na dança, nos movimentos rítmicos do corpo, nos passos e figuras sensuais cadenciados, ao som compassado de "Amores de estudiante " de Carlos Gardel.

E logo após, aquele homem alto e esguio, de cabelos pretos levemente grisalhos foi se sentar. Só.

Mal ele foi descansar numa mesa, ela não perdeu seu tempo e foi-lhe elogiar.

- O Senhor dança muito bem. Foi um enorme prazer poder ver um pouco de sua arte e charme tão condizentes com o tango.

- Muito obrigado - retorquiu o homem.

E aos poucos a conversa foi se desenrolando.... Os assuntos foram se sucedendo, e ela pôde comprovar que todo o mistério e suposta maturidade daquele homem, não passavam de puros rasgos falaciosos de sua mente. Seus pífios dotes de cultura geral não davam um seguimento condigno as conversas propostas,e o desencantamento e displicência foram se tornando latentes em sua face.

A gota de água surgiu, quando ele afirmava peremptoriamente ( e irritantemente convicto ) que o Rio de Janeiro nunca tinha sido capital do Brasil.

Foi a ocasião perfeita para ela se desvencilhar daquele homem e já farta da longa e improdutiva conversa, disse-lhe que era professora pós-graduada de história! E insistiu para que ele não incorresse

no erro, pois era inútil contestar seu longo saber adquirido em longas jornadas estudantis.

Bem, ele gelou, e seu semblante mudou! O homem desencantou um longo sorriso, que percorreu todo o espectro de cores, e fixou-se num deslumbrante amarelo.

V

Foi a deixa que precisava para se despedir já desgostosa, e esquecer de vez daquela busca incessante que tivera naquela bendita noite de

" Alma-Gêmea ".

Sua cara não deixava margem para dúvidas de seu desáire noctívago. Tinha conhecido todos os homens que se encaixavam no seu propósito de "homem-ideal".

Todos eram bonitos, pensou ela, principalmente o primeiro, mas que era um grosso e metido.

E o segundo, era supostamente engraçado, mas revelou-se fatigantemente infantil.

O outro finalmente me parecia pela idade e postura, tão interessante, misterioso, maduro e experiente. E saiu-me uma bela anta batizada - concluiu.

Desconcertada dirige-se ao balcão para pedir sua última bebida de cortesia da casa, que mal chega bebe entusiasticamente, doida para sair de cena, quando lhe bate nas costas o rapaz que havia lhe

interpolado após os apupos do primeiro homem. O tal lindo e grosseirão.

- Lembra de mim. Do rapaz que lhe tinha dito que hoje não existem cavalheiros e homens decentes nesse mundo?

- Hummmmm....sim, foi no princípio da noite, lembro-me vagamente...

- Pois bem. Me perdoe, mas respeitosamente te digo que não consegui desgrudar o olho de você. Via seus olhares procurando companhia. Constatei que você é observadora e atenta e isso me cativou logo

de imediato. Também sou assim observador atento à tudo que gira ao meu redor. Fui ao seu encontro mas numa hora talvez inoportuna. Só queria ser gentil após o que vi! Vim lhe pedir desculpas pelo sucedido.

- Não se preocupe. Eu é que agi impulsivamente e peço perdão pelo ocorrido.

E naquele momento, aquele homem, que à partida não era do padrão de beleza que ela procurava, despertou nela um súbito desejo, pela sua postura elegante e sagaz .

- É, você tem razão, sou mesmo observadora. Assim como você. - risos. - Mas me conte. O que você observou ao longo da noite ?

- Vi uma mulher que procurava incansavelmente por um amor...E vi também as inúmeras frustrações estampadas em cada uma de suas investidas. Vi que seletivamente você escolhia seus pretendentes, com

inúmeros sonhos em cada um deles...Talvez frutos daquela velha utopia feminina de " Alma-Gêmea ".

- Nossa! Foi justamente o que eu pensei quando saí de casa! Era tudo que eu queria hoje sim! Uma alma-gêmea. Mas me explique porque usou a expressão " utopia-feminina "

- Bem, as mulheres ao longo da vida, tendem a idealizar um padrão de homem, que começa inadvertidamente num padrão alto de beleza, e depois segue-se uma série de atributos difíceis de alcançar numa só

pessoa. E isso porque são tão pessoais e íntimos nossos desejos e aspirações, que só existem quase que nos nossos pensamentos.

- Sim, entendo perfeitamente o que quer dizer.... mas o que pensa sobre " Alma- Gêmea " ?

- Penso imediatamente em equilíbrio! - responde

- E o que é para si o tal " equilíbrio " que se refere ? - riposta ela

- Equilíbrio é uma dosagem de forças opostas. Um contrapeso natural de circunstâncias abreviadas por valores mútuos, que vão na justa medida e proporção, contrabalancear os sonhos.

- Que sonhos? - indaga confusa e pensativa no que lhe foi revelado.

- O amor Isadora. O Sonho é um amor inacabado. E só ele é capaz de os tornar realidade. O sonho deve ser plantado onde surge o empenho, a dedicação, a amizade e fidelidade. E assim criam-se fortes

vínculos, e germina-se o amor. E dessa árvore plantada e regada, de raízes profundas, floresce a felicidade que todos nós procuramos,e os frutos para toda uma vida...Esses são os preceitos mútuos que me referia. Alguns deles aliás...são muitos, mas esses julgo serem primordiais...

- Bem Isadora, tenho que ir. Despeço-me com magnânimo respeito...

VI

E partiu, deixando ela desconcertada e pensante no que ele havia dito. Matutou e refletiu por largos minutos, até que o resolve procurar outra vez.

Encontra-o já na rua, e esfuziante grita da sacada da boate perguntando prontamente.

- HEY HOMEM-MISTÉRIO...E VOCÊ JÁ ENCONTROU EM SUA VIDA O TAL " EQUILÍBRIO " QUE TANTO PROCURAMOS !?

Ele dá uns passos pra trás, em sua direção e responde.

- JÁ, MAS A VIDA INFELIZMENTE TRATA SEMPRE DE ME RESTITUIR OS SONHOS...

E partiu no meio da penumbra da noite, ao som do tango de Gardel de nome " El día que me quieras "

FIM

( Luis Andarilho )

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- Concluo Poético Final -

" Os amores são como as ondas do mar...vão e vem...mas retornam sempre ao oceano...as vezes levam vidas, mas alimentam muitas mais....

Que o amor seja como o mar, soberano! Sempre!

Que nos fortaleça, nos ensine, e nos alimente, pois ele é a escola que dissipa a vida! Como o oceano sem fim... "

( Luis Andarilho )