A Mãe de Santo [Contos de cidade pequena]

É raro, mas ainda se vê como é visível agora, uma casa recém construída e cheirando a caiação recente, como está a casa da baiana Vicenta.

Classifico como raro já que há alguns anos não se ouve falar em morador novo por aqui.

As indagações começaram quando um negro robusto apareceu com uma mala puída no bar do Paulão e sozinho bebeu pelos menos litro e meio da cachaça vendida no lugar.

Na manhã seguinte foi visto ainda bem cedo, antes de o Sol raiar, ocupado da capina de um lote vago perto de onde se instalam os circos. E ali esteve todos os dias por seis meses, erguendo um barrado de tijolos de barro queimado, que sabe lá quem ocuparia.

Nesses meses esteve, com a mesma dedicação que se ocupava da empreita da obra, todas as noites no bar do Paulão e consumiu nada menos que 270 litros de pinga conforme a contabilidade do proprietário, mantendo uma média de litro e meio por noite. Revelou-se também exímio no carteado, que só participava em rodadas valendo algum. Alguns afirmam que nunca precisou gastar um único tostão seu com as contas do bar, apenas empregava o dinheiro ganho nas apostas do jogo. Se questionado sobre a obra sempre respondia “Trabalho para minha senhora.” e nem uma palavra a mais sobre o assunto.

Finalmente neste mês a obra ficou pronta, e da noite para o dia todos os postes amanheceram abarrotados de pequenos panfletos pregados com grude que diziam.

“Problemas amorosos, financeiros, excesso de dívidas, pigarro constante, encosto, olho gordo, bronquite ou asma, insônia, excesso de sono, lombriga e problemas de homem ou de mulher? Agora tudo tem solução! Acaba de chegar em sua cidade Mãe Vicenta, enteada do conhecido painho João do Lacerda, dedicada a Oxum e suas entidades. Resolve seus problemas em até três dias, faz trabalho de mesa branca, vermelha e amarela de bolinhas, lê sua sorte nos búzios e faz garrafadas. Mãe Vicenta a mãe de santo mais poderosa das redondezas. Faz ligações de longa distância para o além, com a menor tarifa do mercado”

Era uma baiana corpulenta, entenda por gorda, que trazia uma dúzia de patuás no pescoço e os cabelos presos em um manto tão alvo quanto o resto do vestido rodado e adornado com renda. Veio ostentando um poder incalculável, já que chegou carregada em uma espécie de esquife por seis homens tão robustos e corpulentos quanto o pedreiro.

Foi na primeira sexta depois da chegada de Mãe Vicenta que começaram as atividades do terreiro. O nome faz jus às características do pequeno templo, já que não passa de um cercado de bambu de terra batida com um pequeno altar repleto de imagens de santos e entidades umbandas, além de pelo menos um milheiro de cravos de papel.

Na primeira seção já lhe acorreram uma dúzia, pelo menos, de crentes atraídos pelas promessas de auxílio e contato com o além. E não deu outra depois da encomendas de macumbas, a baiana sentiu logo a presença de um desconhecido entre eles:

_Uff... – Fez um som gutural indistinguível a baiana, acompanhado de um tremor que estatalou os olhos do pintor Givanildo, ali em busca de tratamento para a gota.

E continuou Mãe Vicenta:

_ Tem alguém aqui.

Ela se referia a um espírito logicamente, que se chamava Casimiro. De posse do corpo da mãe de santo, o espírito se apresentou como um negro que viveu no quilombo das Quintanas, que existiu a pelo menos um século não muito longe dali.

Fosse só a visita da alma já era suficiente para impressionar os clientes de Mãe Vicenta, já que a súbita mudança da voz e da expressão facial da baiana ao baixar o finado, impressionariam por si só, no entanto, o falecido escravo foi mais benévolo.

_Trarei até vocês qualquer um dos entes queridos já falecidos que quiserem. No entanto as coisas não são muito simples, existe aqui no além um órgão de controle de acessos. Para que um pai ou mãe de santo incorpore uma alma, é preciso que esta tenha um cadastro e retire no escritório de autorizações para possessão uma autorização que só é concedida mediante a apresentação de uma carta emitida por alguém do plano material e autenticada por um pai ou mãe de santo.

E continuou em seguida:

_ Escrevam as cartas digitadas em arial, fonte doze e espaçamento simples numa folha formato “Letter” e as deixem no centro do terreiro de Mãe Vicenta numa quinta feira de lua minguante. Estejam sempre nas sessões do terreiro para que possa mantê-los em dia acerca do processo de requisição da possessão. Acredito que provavelmente entre oito a dez semanas as primeiras visitas já sejam agendadas.

É lógico que toda essa demora ocorre apenas para os defuntos brasileiros, na Europa, por exemplo, se consegue uma possessão em menos de vinte quatro horas.

Depois disso de forma abrupta, a mãe de santo caiu prostrada e enfraquecida no chão poeirento do terreiro e acordou com os olhos avermelhados, a mesma voz e a mesma expressão facial de antes depois de alguns segundos.

Aquela visita indicava que a entidade principal de comunicação com o além para Mãe Vicenta naquela região seria o próprio Casimiro e o mesmo poderia ser consultado para a solução das adversidade para as quais Mãe Vicenta não possuísse solução de pronta entrega.

Na feira do domingo seguinte a mãe de santa inaugurou também uma barraca, que dentre outras coisas exibia uma placa escrita a mão que dizia:

“ O legítimo acarajé baiano, cuscuz e vatapá” e em letra menor: “Digitação e autenticação de cartas para o além”.

Se os serviços espirituais de Mãe Vicenta são de qualidade não sei dizer, se bem que depois do despacho da baiana a beata Carmelinda arrumou um namorado fazendeiro rico da cidade vizinha entupido de boi, agora o acarajé da baiana esse sim é uma tentação.

Junior Gonçalves
Enviado por Junior Gonçalves em 28/07/2008
Código do texto: T1102010
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