O Papa Hóstias

A cidade, que quase sempre menciono, é do interior de Minas. A família era extremamente católica e unida. O velho e paciente pai, que prosperava vertiginosa e milagrosamente, com humildade, era um exemplo de fervor, tanto na igreja quanto possivelmente na cama, pois os filhos eram-lhe numerosos. Ele freqüentava, todas as manhãs, as missas das seis no colégio de freiras e, aos domingos, na igrejinha do bairro onde morava, fazendo sempre o papel de coroinha ou de qualquer outro membro do “baixo clero”. Um “papa hóstias”, como a ele se referia um mal humorado velho italiano, seu vizinho. Nas missas das manhãs de domingo, a igrejinha lotava e toda a família do “papa hóstias” fazia-se presente. Os sinos dobravam, convocando os fiéis, quinze minutos antes do início e ao começar a missa, graças aos vigorosos braços de seus filhos. Os fiéis, que, por vezes, não conseguiam enxergar o altar, orientavam-se pelo soar das campainhas e pelas leituras toadas pelo beato homem. Mas quem dava o sinal do momento da eucaristia era a sua frágil esposa, sempre com um baque surdo, ouvido naquele silêncio tumular por todos que procuravam socorrê-la. É que ela desmaiava, religiosamente, após sua comunhão, batendo com a cabeça, de cabelos presos em coque, no banco de madeira ou no piso frio, dependendo do som que se ouvia, devido ao longo jejum que fazia antes de comungar-se, como costume da época.

Na segunda-feira, bem cedinho, e como sempre, lá estava ele, rumo ao colégio das freiras, invariavelmente vestido com um desgastado mas bem passado paletó de brim ou gabardine, com o seu missal nas mãos. Transmitia muita serenidade e dirigia-se a todos com voz branda e com muito respeito, independentemente da idade, sexo, raça, cor, condição social, cultural ou econômica. Era simples no falar, no andar e no vestir. Não freqüentava bares, restaurantes, cinemas e o que mais fosse..., apenas as igrejas, a sua casa e a sua empresa, que muito prosperou e tornou-se a maior organização daquela região de Minas. O “Papa Hóstias” era um homem manso e certamente um homem de Deus, com quem hoje deve estar compartilhando a eterna santa ceia. Amém!

Nota: Esta é uma singela homenagem que faço a um velho e já falecido amigo de família que foi um exemplo de homem.

Di Amaral
Enviado por Di Amaral em 30/07/2008
Reeditado em 06/09/2011
Código do texto: T1104341
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