O APAGADOR MÁGICO

Amor de mais ou super-proteção?

Isso é bom?

Quer ler uma história sobre isso?

Pense bem antes de começar. Se começar, leia até o fim.

Pois bem.

Era uma vez.... em um tempo não muito longe assim ....acho até que esse tempo faz parte da sua geração....

Lá em Marilia, uma cidade do interior de São Paulo, uma nova família estava se formando.

Sabe dessas famílias que o pai casa com outra mãe e tem mais filhos, que todo mundo vira irmão?

Pois é, um certo viúvo, pai de 5 filhos, se enamorou de uma jovem muito bonita que era só vinte anos mais nova que ele. Como essa moça já tinha uma filhinha, tinha vindo de uma cidade pequena lá nos confins do Paraná e esse viúvo não era de se jogar fora, casaram-se.

Tudo muito discreto, afinal a esposa havia morrido há menos de um ano, e foram todos morar juntos e felizes.

Não tão juntos nem tão felizes.

A família da falecida se achava ofendida, os irmãos do viúvo achavam uma loucura casar com uma mulher tão nova, os filhos – a mais velha apenas 8 anos mais nova que a madrasta -, nem se fala.

Só sei que um ano depois nascia a pequena Princesinha.

Em virtude de um susto que a mãe levou com uma das brigas de ciúmes do pai, nasceu a menina de oito meses, toda roxinha, feia e doentinha.

Além de ser a caçula, sempre foi miúda. Por isso mesmo era tratada com preferências.

E a menina crescia como se estivesse numa redoma de vidro. Não podia ouvir palavrões ou piadas picantes, não podia se arriscar em brincadeiras, não andava sozinha, fazia manhas e nem fazia os trabalhos de escola que imediatamente eram feitos por um dos irmãos.

O pai adorava a menina. Até os 7 anos de idade ele lhe preparava o café da manhã cortando o pão em pedacinhos para que Princesinha os molhasse no café com leite.

Mas o que a menina mais gostava era dos passeios em volta do quarteirão no final da tarde. O pai levava no bolso uma colher de sobremesas e na esquina lhe comprava uma caixinha de sorvete para que ela pudesse saborear sozinha a guloseima.

Aos olhos de Princesinha era tudo tão perfeito que ela nem percebia se provocava ciúmes entre os irmãos ou até mesmo em sua mãe, que talvez quisesse mais atenção do pai.

Para falar a verdade, acho que Princesinha nem percebia o mundo fora daquela pequena redoma de vidro cor-de-rosa.

Tudo era uma maravilha até que um belo dia quem lhe aparece no caminho?

Um irmão.

Isso mesmo, Princesinha ganhou um lindo irmãozinho, gordinho, fofinho, com lindos cabelos cacheados e loiros.

Claro que as coisas mudaram, mas, Princesinha apagou isso da memória com um apagador mágico que não deixou nenhum restinho de lembrança.

E esse apagador foi tão bom que ela passou a usá-lo em vários momentos de sua vida.

Sempre que algo a magoasse, ferisse, doesse era só passar o apagador.

Claro que ela lembrava de uma briguinha boba aqui ou ali entre os pais – apesar da mãe jurar que eram brigas de vida ou morte algumas vezes até com armas. Mas nada que o apagador não amenizasse.

O mundo era cor-de-rosa.

Princesinha nem sabia que tinha se tornado obediente, estudiosa, educada, medrosa, insegura e indecisa como diziam todos a sua volta. Lá no seu mundinho ela era maravilhosa e perfeita, tinha até olhos verdes e cabelos loiros. Outras vezes, em suas brincadeiras, era uma princesa de olhos azuis e cabelos negros como a noite.

Um mês depois de completar 11 anos seu pai foi ao médico para um exame e nunca mais voltou.

Epa, voltou sim, só que mortinho da silva.

Pobre Princesinha.

Ela apagou com o apagador mágico e nem ficou pro velório, foi á escola fazer prova e depois a uma festinha de aniversário.

Ninguém podia lhe falar sobre a morte, isso não existia no mundo cor-de-rosa dela.

A casa sofreu uma transformação. Os irmãos, agora sem o pai e sem muita afinidade com a madrasta, foram saindo aos poucos para morar cada um a sua maneira.

A mãe e a irmã, dois anos mais velha - Princesinha podia jurar que ela era 10 anos mais velha -, foram trabalhar e Princesinha assumiu a casa e o irmão mais novo.

Parecia a Gata Borralheira das historias infantis.

Lavava, cozinhava, levava e buscava o irmão na escola, ia pra escola ela mesma e dormia.

Como não podia usar o apagador mágico toda hora, quando sentia medo ela e seu irmão entravam debaixo da cama até a mãe chegar do trabalho.

Em caso de dor era só deitar na cama e ficar bem quetinha rezando até dormir.

Acho que o mundo de Princesinha já não era tão cor-de-rosa assim.

Mas ela ainda tinha um sonho: queria mesmo era ficar mocinha. Apesar de que nem fazia idéia o que seria isso, mas com certeza depois de ficar mocinha poderia participar das conversas e ir ao cinema com as irmãs mais velhas.

Nossa, que decepção ela descobriu que ficar mocinha era menstruar. Chorou o dia todo de bico na cama.

Um belo dia ela tomou uma decisão: queria trabalhar.

As irmãs e a mãe assustadas tentaram tirar essa idéia de sua cabeça, afinal ela era tão inocente, frágil, delicada e sem experiência.

Mas Princesinha insistiu tanto que concordaram.

Não antes de lhe instruir sobre todos os perigos do mundo, a violência nas ruas, os “tarados” nos ônibus e nas ruas e no próprio serviço. Sobre os assaltos e os falsos amigos de trabalho.

Aos quinze anos Princesinha foi trabalhar.

Tornou-se uma ótima profissional. Eficiente, inteligente e disposta. Formou-se na faculdade - as suas custas e sem incentivo de ninguém.

Casou-se, teve filhos e continuou trabalhando.

Ah, quer saber mais detalhes?

Eu acho que ela deve ter por volta de 50 anos, continua tímida e insegura.

Fica assustada quando ouve ou lê coisas da década de 70, 80 ou 90. Quando tenta lembrar de sua própria vida só encontra fragmentos.

Eu não sei dizer se ela apagou tudo com seu apagador mágico ou se nada disso aconteceu de verdade no seu mundo cor-de-rosa.

Pirilim, pirilim... nossa história chegou ao fim.

Etelvina de Oliveira
Enviado por Etelvina de Oliveira em 16/08/2008
Código do texto: T1130877
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