Anexo

São quinze pras seis e cá estou, solitário no bar ao lado da faculdade. O sol se põe, o dia se deita nas eternas nuvens do tempo. Minha cerveja borbulha, silenciosa...

Há seis meses atrás estava desempregado, na confeitaria francesa. Hoje cá estou, e morro. Morro devagar e gradativamente, com volúpia. É uma experiência um tanto quanto sartreana, bem o sei. Morro sozinho.

Três grupos de três pessoas bebem e conversam entre si animadamente, distantes de mim. Dois grupos de mulheres e um de garçons. Minhas tripas se revoltam, tremem e queimam; o corpo é tão fraco. Não sou nada por dentro, além de fezes e carne em putrefação constante. Os carros bailam pela esquina numa valsa pós-moderna. Onde está Debussy? Seria mais apropriado para o momento... Bailam as fumaças do meu cigarro; são sensuais. Parecem querer dançar o Bolero de Ravel. E queimam ácidas no meu pulmão.

As vozes são cada vez mais distantes, de forma perfeitamente proporcional à noite que vem, se vestindo de gala, apenas para ser brutalmente estuprada pelas boates e carros de som. A constante sexta-feira negra...

As mulheres são iguais, os homens são iguais, comuns e sem sexo. Sem nexo, parecem todos bichos, urrando por desejos surreais. E ainda assim, sou o rei deles. Sentado em meu trono de plástico, com minha coroa de cerveja e meu cetro em chamas entre os dedos. Morro, e nada posso fazer; mas sou o manda-chuva e o mundo é minha folha em branco. Morro! Bem o sei, mas sou o rei. Sozinho.