ERA CEGO MAS NÃO ERA BURRO

ERA CEGO, MAS NÃO ERA BURRO

Ele era cego desde o nascimento, mas não era triste porque não sentia falta do que não conhecia; seu mundo era escuro, dia e noite se confundiam, mas sabia sempre com quem estava falando, reconhecia as pessoas pelo som dos passos, sons e cheiros e no geral se dava bem com todos, seu nome era Lino e vivia só no casebre onde nascera, sua mãe e única companheira morrera a muitos anos.

Como era muito pobre andava pelas ruas pedindo esmolas se orientando com sua bengala, nessas suas andanças ficou conhecendo uma italiana recém- chegada da Itália com seus pais, imigrantes rudes vindos da Calábria atrás de trabalho e se possível fosse de terras; Lino se apaixonou pela italiana Lucia e pensava que ela era linda pelo som de sua voz, realmente a moça possuía um timbre suave melhorado pelo sotaque.

Mas se ele visse a figura sairia correndo, a coitada era feia com força e tudo nela era um desastre; a tal Lucia tinha os olhos saltados, os cabelos grossos e mal tratados caiam dos lados do rosto redondo e com uma enorme papada, a infeliz era gorda como uma baleia grávida e as pernas curtas e grossas mal agüentavam o peso do corpo, ela vivia caindo como uma jaca madura e para completar o quadro a italiana era dentuça.

Os dentes cavalares pareciam rir o tempo todo da triste figura, enfim de belo ela só possuía a voz e no caso de Lino era mais que suficiente; enquanto o tempo passava ele pedia esmolas e sonhava com Lucia, a família de imigrantes trabalhava unida na lavoura de café de um fazendeiro rico, trabalharam e economizaram tanto que conseguiram comprar alguns alqueires de boa terra de cultivo.

Em sua próprias terras trabalharam ainda mais, com o passar do tempo foram aumentando seus teres e haveres e de repente estavam ricos; da simples casinha de periferia eles se mudaram para um elegante sobradinho de dois andares, todo pintado de branco e com bonitas janelas azuis, a frente do segundo andar do sobrado era tomada por uma bela varanda, toda decorada em ferro trabalhado em lindos arabescos.

Todas essas novidades foram passadas para Lino pelos fofoqueiros de plantão, o cego se entusiasmou com as noticias e fabricou da noite para o dia um versinho de pé quebrado, que era assim: vô casá ca italiana, pra morá no sobradinho; o ceguinho andava por todos os lados sem problemas, conhecia cada palmo daquela vila e sempre andou calado tateando o caminho com sua bengala, até ai ele não incomodava ninguém.

Mas passou a incomodar e muito quando começou a cantar aquele versinho horroroso o tempo todo, só parava a cantoria quando era vencido pelo sono, mas ele dormia pouco e já de madrugada recomeçava a cantar; o pior era sua desafinação extrema e a musica que inventou para o versinho, era um som sem cadencia e de uma melodia estranha que aliada a sua voz fanhosa, ofendia os ouvidos das pessoas e irritava a tal família italiana.

Porque com a riqueza veio a soberba e eles entendiam que o cego estava faltando com o devido respeito, a jovem e feiosa Lucia; alguns pretendentes apareceram para a moça, pois por dinheiro eles se dispunham a enfrentar aquele pesadelo com cara de gente, mas para surpresa de todos ela resolveu casar com o cego Lino, era inacreditável e alguém corajoso se atreveu a perguntar a ela o porque daquela estranha decisão.

Lucia se explicou assim:Tenho espelho em casa e sei como sou e sei também que esses rapazes que me cortejam só estão interessados no meu dinheiro, por isso os recusei; Lino é cego e desinteressado porque ele me enxerga com os olhos da alma e para ele eu sou bela e ele me ama realmente, serei uma ótima esposa e ele um marido apaixonado, para ele não vou envelhecer nunca e seremos muito felizes.

E ela completou: daqui para a frente Lino vai passar seus dias bem vestido e alimentado na varanda de nosso sobradinho, vai cuspir para baixo sempre que quiser e estará sempre cantando seu versinho porque rico ri atôa; casaram-se e foram muito felizes , tiveram cinco filhos e todos fanhosos que adoravam fazer coro quando o pai cantava o versinho que fizera para sua amada Lucia; Vô casá ca italiana, pra morá no sobradinho.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

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Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 03/09/2008
Código do texto: T1160116
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