AS FUJONAS

AS FUJONAS

Rosa e Marta eram amigas inseparáveis, moravam uma no começo do morro do Cruzeiro e a outra lá no topo, bem em cima do mesmo; se Marta se encontrava em qualquer lugar, Rosa estaria por perto com certeza, passear juntas, olhar os rapazes, ir a igreja e outras coisas sem maldade, não fazia mal algum, mas elas não se limitavam a isso, ocupavam a maior parte do tempo em fazer diabruras, coisas que aborreciam as pessoas em geral e suas mães em particular e assim viveram até aos dezoito anos.

Não eram lindas, mas feias demais também não eram, ficavam em um meio termo bastante suportável, de trabalhos caseiros não gostavam, preferiam andar pelos campos vizinhos colhendo pitangas, joás, cabacinhas amargas e marmelinhos, que colocavam em grandes folhas de arvores improvisando gostosos e divertidos pic-nics; em um desses passeios campestres Rosa a mais espevitada das duas teve uma idéia, que no momento lhe pareceu brilhante: fugirem as duas de casa.

Queria sair pelo mundo atrás de amores e aventuras, Marta como de costume apoiou a companheira, voltaram depressa para suas casas para arrumarem as trouxas e naquela noite quando todos dormiam, saíram devagarzinho e meteram o pé na estrada, tomaram o rumo da Vila dos Coqueiros de onde pretendiam seguir sempre em frente; na manhã seguinte tudo parecia normal, porque Rosa avisara Sá Negrinha sua mãe, que ia dormir na casa de Marta que disse a Sá Julia que dormiria com Rosa.

Lá pela metade do dia, as duas mães impacientes com a demora das moças resolveram procurar por elas, enquanto Sá Negrinha descia, Sá Julia subia o morro do Cruzeiro e se encontraram no meio do caminho, ficando as duas muito despontadas quando descobriram que suas criaturas tinham batido as asas; em um berreiro só, correram a delegacia e se queixaram ao delegado Zurico que suas filhas tinham sido roubadas, mas o delegado conhecia bem as duas e sua mania de andar atôa.

Acalmou as aflitas senhoras, dizendo: ninguém roubou suas filhas não Sás donas, nem tão prendadas elas são para causarem tanto trabalho, garanto que fugiram sozinhas e eu vou já com o soldado Lemiro atrás delas, vão descansadas que vou trazer as fujonas antes da noite cair; assim que se livrou das chorosas senhoras, mandou preparar dois cavalos, apanhou seu comprido chicote e saiu com o soldado Lemiro a caça das duas travessas e vadias garotas, tocou para o caminho da Ponte procurando pistas.

Foi logo informado por uma lenhadeira, que elas seguiam para os lados da Vila dos Coqueiros; duas horas depois ele avistou as moças lá longe em uma baixada, apertou o passo dos cavalos e ao alcançá-las disse: passearam o suficiente meninas, é hora de voltar para casa, o soldado Lemiro saltou do cavalo, pronto para voltar a pé, pensando que as moças voltariam em sua montaria, ganhou um berro do delegado, que o fez montar novamente em um minuto, e o delegado Zurico calmamente se explicou

As moças gostam de caminhar, para que contrariar as moças, elas vieram a pé e é a pé que vão voltar e rápido acompanhando o passo dos cavalos; elas que estavam cansadas e com fome, se assentaram no chão e abriram o choro, mas se levantaram voando, assustadas com o estalo do chicote do delegado, que zuniu a um ce4ntimetro de suas cabeças, engoliram as lagrimas e começaram a refazer o longo caminho, às vezes afrouxavam o passo, mas corriam com o zunido do chicote.

Já na vila de São João, foram colocadas em uma cela por algumas horas, mais tarde já na presença de suas mães ouviram um longo palavrório do delegado e foram informadas que lugar de moças de família pobre ou rica, era em casa aprendendo os trabalhos domésticos, para se tornarem boas esposas e melhores mães de família; durante uma semana ninguém viu nem Rosa e nem Marta, estavam curando os pés estourados pela marcha forçada que fizeram, tangidas pelo impiedoso chicote de Zurico.

Quando saíram do repouso forçado, eram outras, a lição foi proveitosa, eram moças caseiras, apegadas a seus afazeres, dóceis e atenciosas com todos; algum tempo depois da reforma, Marta e Rosa arranjaram noivos e os dois casamentos se realizaram na mesma data, instruídas pelas mães convidaram o delegado Zurico e sua senhora dona Marica, para padrinhos das bodas e a vida continuou tranqüila em São João; vez por outra as inseparáveis amigas cruzavam na rua com seu truculento padrinho.

Curvavam respeitosamente as cabeças e diziam: a bença padrinho, ele parava o cavalo, levantava o chapéu e respondia: Deus vos abençoe minhas afilhadas e vos traga bem guardadas; tocava o cavalo, lançava um olhar matreiro para trás, estalava o chicote, sorrindo divertido ao ver as moças apressarem o passo e sumirem dentro de suas casas, para cuidarem de suas obrigações; resmungava o delegado: Nosso Senhor as proteja meninas e esse chicote as manterá em respeito, amém.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 05/09/2008
Código do texto: T1162892
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.