Vicente

Falar de Vicente seria difícil, não fosse a memória de sua irmã Natália. Ela, sim, fala do irmão como se estivesse ainda ao seu lado o tempo todo . Amava-o e perdoava todos os erros cometidos.

Vicente herdara de seu pai propriedades e desde moço iniciou um negócio de padaria. Casa grande de dois pavimentos, embaixo funcionava o panifício, na parte de cima morava a família e os empregados.

Embora a família fosse grande, conseguia manter o luxo daqueles tempos. Tinha carroça para distribuir o pão pela cidade, tinha muitos empregados, água encanada e eletrodomésticos que para a época eram o máximo. Ventilador, por exemplo. E o liquidificador que emprestava aos vizinhos para as "batidas" que as crianças tanto apreciavam? Esse era um luxo!

Sua casa era sempre cedida para festas, churrascadas e bailes, para onde iam todos que moravam nas redondezas.

Vicente era feliz, mas um eterno insatisfeito. Começou a procurar outras mulheres e a freqüentar bares. Natália sabia dessas noitadas, assim como a cidade inteira, e chegou até a conversar sobre isso com o irmão, que ria e dizia estar ciente do que fazia.

Ciente até poderia estar, me diz Natália entristecida, só que vício é danado! Nunca achamos que pode acontecer com a gente e, sempre achamos que estamos no controle.

Acabou que seu irmão virou alcóolatra, daqueles de cair nas valetas da rua, de ter que ir buscar o homem caído na beira da estrada.

Uma piedade ver aquele homem forte ficar reduzido num trapo, sentado na beira da sua porta, logo de manhanzinha, pedindo um trago para começar o dia, antes até mesmo de um gole de café.

Suas propriedades, a padaria, sua casa de dois andares, cavalos, carroça e o que tivesse, foram sendo delapidados rapidamente pelos gastos com as noitadas e suas mulheres.

A saúde ficou precária e adquiriu uma cirrose. Pouco tempo depois, às vésperas da morte, ainda pediu um copo de cachaça à sua esposa que cuidava dele no hospital. Que mal lhe faria a estas alturas? Bebeu até a parte do santo, que deve ter-lhe cobrado, pois logo foi bater às portas do céu...ou do inferno, sei lá, murmurou Natália com o olhar perdido e com uma lágrima a escorrer de saudades.

Natália continua saudável e sempre que a vejo, fala do irmão com carinho. Os sobrinhos, filhos do seu irmão estão bem, mas a esposa dele morreu logo em seguida. Pena que tenham ido tão cedo, diz ela, inconformada.

Cedo ou tarde, todos iremos, digo à minha amiga. É só uma questão de tempo...