FLOR DO CÉU

FLOR DO CÉU

É A TI FLOR DO CÉU QUE ME REFIRO//

Os seresteiros do sertão cantam nas noites enluaradas, lá para os lados do fim do mundo não sabem que a lua não é mais a mesma, que já não é romântica depois que seu solo foi poluído pelas botas sujas dos homens; como os seresteiros as moças sertanejas também não sabem disso, e ainda se emocionam com as canções de seus cantores.

Uma das musicas mais apreciadas nessas ocasiões, é a tradicional Flor do Céu e enquanto ouço seus acordes, me lembro da triste historia de uma Flor que longe ficou do céu e de sua paz.

Floralia era seu nome, mas ainda bem pequena ganhou o apelido de Flor, mas de flor só possuía o nome porque era feia e desprovida de graça, mas apesar de suas desvantagens era uma mulher e como tal se sentia, quando ouvia os seresteiros cantarem Flor do Céu, ela se julgava o endereço certo da suave canção e sonhava de olhos abertos com um moreno forte e bonito, cantador emérito chamado Tonhão.

Os sonhos de Flor eram sempre povoados de figurações de uma sensualidade tão grande, que ela vivia abatida, pálida e com fundas olheiras de tanto se excitar sem chegar a nada; ela se tornou uma pessoa arredia, calada e cada vez mais magra e feia, aos quinze anos se iniciara aquela agonia, e naquele estertorar solitário de todos os sábados de serenata, ela chegou aos trinta janeiros e ao amargo fim.

Naquele trágico sábado, a lua estava um desperdício de beleza: redonda, luminosa e tão grande e bonita, que o sertanejo olhava o céu e resmungava: lua cheia, lua marela, zoio de sucuri, traidêra.

Com lua tão formosa a serenata começou antes da meia noite, por acaso ou sabe Deus porque em frente a casa da pobre Flor, Tonhão cantou a costumeira Flor do Céu; no seu leito a moça se torcia toda, seus dedos enclavinhados pareciam cobras morrendo, de sua boca saiam gritos curtos e roucos, como uivos de um animal no cio.

A canção seguia para seu final e ela também, quando Tonhão disse suavemente a ultima estrofe, a natureza sofrida de Flor se revoltou, ela sofreu um violento orgasmo que a jogou da cama para o chão em convulsões; no dia seguinte ela foi encontrada com o corpo torcido, os olhos esbugalhados e a boca aberta como se pedisse socorro; estava morta nua e fria, seu corpo insatisfeito se vingara como um escorpião cercado pelo fogo, se matara.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 19/09/2008
Código do texto: T1185999
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.