FOFOCA ASSASSINA

FOFOCA ASSASSINA

Moço bonito e saudável, Elisio se vangloriava de sua saúde e força, ninguém como ele para laçar e derrubar um touro na corrida, ou agüentar com bravura os saltos de um cavalo chucro na doma e com muita alegria participava de todas as festas daquele lado do Rio do cervo; quando o vigário da Vila da Lapa aparecia por aquelas bandas para celebrar missas e realizar batizados e casamentos, Elisio estava sempre presente porque ele era o padrinho oficial da maioria das noivas e das crianças a serem batizadas.

Amigo de todos e compadre de muitos, alegre e gozador só não se habilitava a noivo de ninguém; namorador, divertido, rico e solteiro era o sonho das moças casadoiras e a pedra no sapato das mães interesseiras; quando Elisio percorria as poucas ruas de Vila da Lapa montado com elegância em seu cavalo baio, os comentários eram sempre os mesmos: como é forte, como é bonito e esses comentários eram sempre acompanhados de suspiros e olhares esperançosos.

No dia em que completaria trinta anos, Elisio preparou uma festa enorme: muita comida, muita bebida, doces em quantidade exagerada e a alegria era maior porque haveria um baile, o sanfoneiro Zé Marques e o Belizário violeiro já estavam contratados a muitos dias, nos fundos da casa grande da fazenda estava preparada uma grande barraca de lona para as danças; quando tudo ficou a seu gosto ele se dirigiu a vila para fazer a barba e cortar os cabelos, mas uma desagradável surpresa o aguardava.

Zalico seu amigo barbeiro, recusou-se a lhe prestar seus serviços e quando Elisio pediu explicações o barbeiro não se fez de rogado e disse: eu não posso atende-lo porque perderia toda a minha freguesia pois todos já sabem que você está morfético, eu sinto muito ter de lhe dar essa noticia, mas tenho família para cuidar você me entende; a única coisa que Elisio entendeu foi que toda a população da vila estava com medo e nojo dele e isso o deixou estarrecido.

Na época em que isso aconteceu, o Mal de Hansen ou Morféia como vulgarmente era chamada, era uma doença incurável e monstruosa que causava horror e era mais temida que o câncer nos dias de hoje, porque o câncer atormenta e mata, mas não é contagioso; Elisio não se lembrou de consultar um medico para verificar os fatos, na sua revolta e pavor só pensou em desaparecer do mundo, saiu da vila em disparada e ao chegar a fazenda trancou-se em seu quarto.

Sua mãe o chamou e ele não atendeu, ao cair da tarde quando os convidados da festa começaram a chegar, ouviu-se um estampido de arma de fogo no quarto de Elisio, o susto e a correria foram gerais, bateram na porta e gritaram por ele em vão , só o silencio pesado e opressivo foi a resposta; desanimados e apreensivos resolveram forçar a porta e quando essa se abriu lá estava Elisio com o ouvido direito varado por uma bala de seu revolver, estava morto estirado no meio do quarto.

Um fio de sangue corria do ferimento e sobre a cama havia uma carta onde ele se despedia e falava da razão de seu gesto, o espanto e a tristeza tomou conta de todos e os preparativos da festa se transformaram em alimentos do velório; depois do enterro do rapaz sua família tentou descobrir de onde partira a noticia de sua doença, o barbeiro Zalico disse não se lembrar quem dissera tal coisa em sua barbearia, afinal ninguém sabia de nada.

O certo era que um homem forte, saudável e bonito estava morto, possivelmente pela pior das armas: uma língua maldizente e caluniadora, ou simplesmente pela ignorância e medo de uma doença aterrorizante; devia existir uma lei para punir com dureza aos fofoqueiros e mentirosos; jamais se soube ou se saberá a verdade e ficará para sempre a duvida: estaria Elisio realmente doente?

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 21/09/2008
Código do texto: T1189955
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