BERRA BODE TOCA O SINO

BERRA BODE TOCA O SINO

Sempre existiram meninos travessos em todos os lugares do mundo, mas os filhos das famílias de Vila de São João eram os piores; lá pelo ano de mil novecentos e vinte morava na vila um rapazinho de uns desesseis anos, que atendia pelo nome de Boleca e era o sacy pererê do lugarejo, fazia artes parecidas com as do demo, criava problemas e aborrecimentos para todos.

Suas façanhas eram famosas, mas com tanta estripulia as pessoas acabavam rindo, porque o moleque era espirituoso e tinha lá a sua graça; de todos os maus arranjos do Boleca um ficou na historia do lugar e jamais será esquecido, e foi assim: certa noite de sexta feira, véspera de primeiro de abril e ainda por cima era quaresma, Boleca e seus amigos resolveram pregar um susto no povo.

Para isso roubaram o bode de Seu Tonico Sapateiro e levaram o pobre animal para o morro do Cruzeiro onde tinha uma igrejinha, tão modesta era essa igreja que o sino era colocado do lado de fora dependurado em um mastro alto e forte, lá chegando amarraram a cabeça do bode dentro de um saco para ele ficar quieto e não se sabe como içaram o bicho até perto do sino, onde o amarraram a sua corda.

Tudo pronto tiraram o saco que sufocava o animal e saíram dali voando para se esconderem e aguardarem os acontecimentos; o bode ao se ver em tais alturas desandou a espernear e a berrar, ao mesmo tempo que tocava o sino, o povo da vila acordou em pânico e correu para a rua desorientado, naquela escuridão, meia noite j[á passada e em uma sexta feira de quaresma, só podia ser coisa do diabo.

Apavorados se reuniram em frente a casa do vigário, esperando que o bom padre resolvesse o que se devia fazer; o padre achou melhor rezarem um terço e rezaram, mas lá do alto do Cruzeiro os berros e toques de sino continuavam e ninguém se animava a ir ver de perto o que acontecia; o delegado Zurico estava ali entre o povo, tentando evitar o pânico, mas mesmo ele estava meio sem coragem de subir até lá.

Afinal diabos travessos e exorcismos eram mais da alçada do vigário, mas o tempo passava, madrugada vinha chegando e alguns pássaros já começavam a cantar de leve; o bode berrava, o sino badalava e o povo apavorado rezava agarrados a batina do padre, foi ai que um cidadão disse para o delegado ouvir: cadê a autoridade? vamos ficar nessa agonia até quando?

O delegado metido em brios, gritou para seus soldados: vamos lá praças, vamos ver se o diabo é tão feio como se pinta, armas na mão, marchem e lá foram eles subindo o morro de armas nas mãos e preces nos lábios, o vigário se animou e seguiu atrás carregando um grande crucifixo e se agarrando com todos os santos do céu e a uma distancia cautelosa vinha a população, tinham medo de ir e de ficar.

Foram subindo, fazendo das fraquezas forças, quando chegaram lá no alto já era dia claro e reconheceram o bode de Seu Tonico, berrando como um desesperado lá do alto de seu improvisado poleiro, foi um alivio geral, trouxeram uma escada e desceram o pobre caprino quase morto de susto, assim que se viu em terra firme e se sentiu menos tonto, o bode desceu o morro do Cruzeiro voando.

Ele se embrenhou nos fundos da horta de Seu Tonico de onde nunca mais saiu para nada; com o medo acabado, todos comentavam o caso em meio a boas risadas, até que o bondoso vigário se lembrou que aquele dia nascente era primeiro de abril, o dia das mentiras, ai veio a duvida, de quem seria a estapafúrdia idéia daquela brincadeira de mau gosto, pois as velhas senhoras estavam acamadas.

Quem foi, quem não foi,foi fulano ou sicrano, enquanto o povo discutia o assunto, o delegado se lembrou que não vira o Boleca e sua turma de capetas em parte alguma durante o rebuliço e aquilo não era normal, se bem pensou, melhor agiu; lá pelo meio dia Zurico se dirigiu a casa do rapazinho e o encontrou dormindo tranqüilo como um anjo, cansado das estripulias da véspera.

Chamou por ele e o chamado se sentou na cama de um pulo meio dormindo e meio acordado, mas ao dar de cara com a carranca do delegado acordou de vez gritando: eu não fiz por mal Sô Zurico tava só brincando; estava desvendado o mistério, ali estava o faltoso, o delegado agarrou o travesso pelas orelhas e o arrastou até a delegacia, onde lhe deu enorme surra de chicote.

Ai ele entendeu a gravidade de sua mal arranjada brincadeira, porque algumas pessoas estavam doentes de tanto susto, alguém podia ter morrido se tivesse o coração fraco; Boleca agüentou o revés sozinho,não denunciou seus amigos, mas jeito mesmo ele não tomou, apenas passou a comemorar o primeiro de abril com menos imaginação

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 21/09/2008
Código do texto: T1189962
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.