O DIA QUE RESOLVI ME MATAR

Estava ali

Prestes a me suicidar

Já tinha as cápsulas na palma da mão

Vinha um cheiro acido de dentro do pote

Fez meu nariz coçar

E quando o esfreguei com as costas da outra mão

Olhei meu relógio atado ao pulso

Era o relógio que havia ganhado de mamãe

Por um instante a idéia da morte saiu da minha mente

Como fumaça de cigarro

Ganhei-o de aniversário

Num dos muitos que já fiz nessa vida

Três ou quatro anos atrás

Adorava aquele relógio

Com certeza consumiu boa parte das economias dela

Mamãe não gostaria de me ver nessa situação com certeza

Que estaria fazendo ela agora?

Vendo TV muito provavelmente

O que ela acha que estou fazendo agora?

Qualquer coisa menos praticando suicídio, com certeza

Pensei em tirar o relógio

Prosseguir com o que tinha começado

Não sou do tipo que desiste das coisas no meio do caminho

Mas resolvi devolver todos os comprimidos pra dentro do pote

Sentar aqui e escrever isso

Até porque, agora

Num segundo pensamento

Conclui que quem se mata com comprimidos é mulher

Macho corta os pulsos

Um tiro no ouvido

Corda no pescoço

Algo tão violento quanto nascer

E chorar pra mostrar que esta vivo

E quer saber?

Agora estou me perguntando...

Que motivo é forte bastante valer minha própria vida?

Pois eu nasci e chorei pra mostrar que estava vivo

E agora, depois de tudo que passei pra chegar até aqui

Depois de toda a dedicação de minha pobre e velha mãe

Terminarei assim

Não

Não esta certo

Mas espera...

Eu já tinha decido que ia me matar

Que tipo de cara me tornei

Só os fracos voltam atrás assim...tão facilmente

Não foi preciso se quer...

Alguém me dizer que isso não era necessário

Se estivesse à beira de um prédio de vinte andares

Desistiria de pular apenas com um olhar solidário do bombeiro

Não

Não sou esse tipo de cara

Agora é tarde

Já tomei minha decisão

O cheiro ácido ficou grudado na minha mão

O cheiro da minha morte

Aqui não tem corda, nem faca, nem revolver

Que ótimo

Teria que morrer como uma mulher mesmo

Frustrado até na hora de morrer

Mais um sinal de que isso realmente deve ser feito

O relógio já marca meia noite e trinta e dois

Já estou enrolando aqui por mais de 20 minutos

Que tipo de suicida fica narrando a própria morte?

Por falar em narrar,

Esqueci-me da maldita carta

Um suicida que se presa precisa dela

Mas, não tenho o que escrever nela

Nem remetente certo

O que posso dizer?

-Desisti da vida!

-Não suporto mais tanto sofrimento!

Não, não

Não poderia ter algo tão ridículo como ultima autoria

Não tenho animo para escrever um texto derradeiro

Pra ser sincero, nem sei como faze-lo

Acho que apenas citar o motivo da morte

Em breves linhas

Breves linhas

Isso sim, é o melhor a se fazer

Pois se escrever um texto apoteótico

Abrirá margem para dezenas...

Centenas de interpretações

Teria de morrer mil vezes para fazer jus a todos os leitores

Mas qual seria esse motivo?

Pessoalmente não tenho nenhum

Nenhum que justifique

Mas que se dane

Passei a vida toda tentando ser adequado

Perfeito em cada atitude

Estarei morto daqui cinco minutos

E só tenho um motivo em mente:

-DECIDI MORRER PARA TERMINAR ESTE TEXTO!

[rh.22.09.08.02:21..no relógio de mamãe]

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Ricardo Henrique
Enviado por Ricardo Henrique em 22/09/2008
Código do texto: T1190414
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