Na casa das janelas de grades verdes

Ficava só, com suas lembranças e sonhos, quando a noite cedia lugar à luminosidade do crepúsculo matutino...

Olhava da janela, como quem olha a fruta, ainda coberta do sereno da noite que o sol começa, delicadamente, acariciar com seus raios, nas manhãs do sul...

Tinha a idéia fixa na figura do pescador, forte e moreno, que seu espírito consagrava, em estado de desvelo, ajudando-a a fugir à dura realidade.

Mas aquele era o seu mundo...

Apoiava-se à janela, como se a experimentar lá fora, o embalo das ondas. Seus dedos longos e finos contornavam os desenhos da grade verde que contrastava com o vermelho vinho de suas unhas. No salto alto, descansava o corpo esbelto que denunciava o cansaço da noite anterior. Tinha seios fartos e a cintura fina que lhe davam um ar de sensualidade. Os longos cabelos negros e o verde dos olhos lembravam as figuras alencarianas, mito e arquétipo no que tange a figura das fêmeas.

O barco do pescador, dourado do sol, aproximava-se... Era alto, forte, mas não conseguia definir bem suas feições.

Não quisera ser assim... Quisera ser a mulher simples, de cabelos escorridos, sem a pesada maquiagem. Uma mulher comum ao lado de alguém que a amasse realmente. Queria filhos, uma família, trabalhar num emprego descente. Talvez como a mulher do pescador moreno... Projetava na figura da desconhecida, um futuro igual. Sim, haveria de ter uma mulher assim aquele pescador. E continuava a sonhar com um futuro diferente, com um homem romântico e gentil, tão diferente daqueles a que estava acostumada na estúpida vida onde vegetava. Não entendia porque as pessoas chamavam aquilo de “vida fácil”.

Costumava ver os casaizinhos românticos, sob a brisa vespertina, em seus carros velozes ou sentados à praia, sorrindo, olhando-se nos olhos, amando-se: supunha no seu estado de espírito. Nem a isso ela tinha direito: sentar-se à praia, ouvir o mar, o farfalhar das folhas secas que caíam sobre as pedras.

Como era mesmo seu nome? Não lembrava.

____ Iracema-disseram-lhe um dia naquela casa. E assim ficou.

Chamava-se Iracema... Ceminha nas noites da casa de janelas de grades verdes.

A um canto do quarto, uma mesinha antiga, ao centro um abajur dourado sobre a cabeça da figura grega do Deus Minos. Ela o achava tão interessante... Mais alguns objetos espalhados, um perfume de flores e o livro que lera tantas vezes, quando se sentia deprimida. Não sabia de onde o tinha, quem o teria dado. Não sabia nada.

Abria as mesmas velhas e amareladas páginas, que seus olhos percorriam:

“O lábio do guerreiro suspirou mais uma vez o doce nome e soluçou, como se chamara outro lábio amante. Iracema sentiu que sua alma se escapava para embeber-se no ósculo ardente”.

O barco, agora se afastava da praia, levando o pescador forte e moreno...

Àquela hora da manhã, a praia estava deserta... Não havia mesas, nem os casaizinhos românticos, nem os carros velozes. As pedras estavam vazias, somente as ondas brincavam entre elas, banhando-as da branca espuma do mar. Ah se pudesse lá se banhar, deixar que a espuma das ondas acariciasse-lhe o bico dos seios e a areia fina desse pouso a seus pés, até que a onda novamente voltasse para lavar-lhe, agora, a espuma do corpo, que fosse ao mar adentrando, adentrando, até não sabia aonde, não sabia para quê.

Àquela hora só havia o pescador em seus pensamentos. Ele lhe parecia o guerreiro branco de Iracema e ela não conseguia esquecê-lo.

Despiu a blusa verde-musgo, que se decotava graciosamente até os seios de pele jambo; a seda que fazia a saia palha, quase a igualar-se com o tom da areia do mar, a esconder-lhe as coxas redondas e firmes, e imaginava o fustigar das ondas por debaixo de sua saia...

Cansada, Iracema adormecia e sonhava... Sonhava com o pescador, o guerreiro branco, as águas do mar, o cantar da graúna de asas negras. Tudo emoldurado em seu sonho, como emoldurado ficava o mar e o barco na casa das janelas de grades verdes.

Eliza Fernandes
Enviado por Eliza Fernandes em 05/03/2006
Código do texto: T119175