A TUBA BÊBADA

A TUBA BÊBADA

Delegado Zurico acumulava duas funções em Vila de São João, a de delegado de policia e a de diretor da Banda de Música José Higino, seus músicos eram na maioria filhos e netos do patrono da corporação musical; nas festas onde a banda tocava era aquela beleza, os músicos deliciando os ouvidos do poço da vila e atrás com porte marcial marchava o diretor da briosa.

A bandinha era mesmo boa, com bons músicos e ótimo repertorio, pois tinha até um compositor, o Tonho filho caçula do velho José Higino, os demais filhos e netos do velho estavam distribuídos nos principais instrumentos da banda: João Grande e Zé Miúdo, os melhores pistanistas da região. Bino e Dino nos tubas, Quézinho na clarineta.

Para completar tinha Quincas no bombardino, Tonho e Arno dois trombonistas famosos e Gino no tarol, porque era o único dos irmãos que não lia música e os demais instrumentos de acompanhamento e percussão eram tocados por primos e agregados da família, como o bombo batido em um ritmo bem africano por Zalina, pretinho cria do delegado.

A harmonia da banda José Higino só era quebrada por sua rival, a Lira Progresso formada por bons músicos, descendentes de arrogantes italianos e que faziam de tudo para passar a José Higino para trás, a rivalidade era para valer mesmo, até as mulheres das duas partes se envolviam na briga, fazendo fofocas e trocando desaforos, chegando até a trocar tapas.

De todas as encrencas acontecidas, a mais divertida foi a que vou contar agora: na Vila do Rato, um povoado vizinho acontecia todos os anos a festa do padroeiro e como lá não tinha banda de música, as duas de São João disputavam a honra de abrilhantar a festa dos vizinhos, mas o povo da Vila do Rato preferia a banda do delegado e os festeiros a convidavam.

O diretor da Lira Progresso quase morria de raiva todos os anos e fazia tudo para atrapalhar; em uma dessas ocasiões, a Banda José Higino se preparou com esmero, pois até missa cantada ia ter na vila do Rato, onde seria apresentada uma missa linda de autoria de Tonho, na tal composição tinha um solo de tuba, coisa maravilhosa que só Dino saberia executar.

Mas Dino além de tocar tuba como poucos, bebia cachaça como muitos e foi o vicio do músico que forneceu a idéia aos adversários de embebedar Dino e a missa humilhante não seria executada; enviaram um quinta coluna a vila vizinha para fazer o serviço, mas delegado Zurico tinha tomado precauções: onde Dino ia um dos irmãos ia junto e ficou em jeito.

Como foi impossível fazer Dino beber, o espião deu outro jeito, como se verá a seguir: até a hora da missa correu tudo bem, a alvorada foi linda, João Grande e Zé Miúdo acordaram a vila com solos de pistom entremeados de cornetadas, que foi uma beleza; depois da alvorada e do lauto café com quitandas que se seguiu, os músicos repousaram até a missa.

Tudo estava certo, Dino estava sóbrio e debaixo da vigilância cerrada de todos, na hora marcada a esperada missa começou bem, a banda estava em um de seus grandes dias, afinada, macia, sonora e a voz de contralto de Liça se elevava, acompanhada de perto pelo resto do coro, com a marcação suave da banda, foi tudo bem, até o momento do solo de tuba.

Dino se aprumou e tentou começar seu solo, mas ele assoprava, se esforçava e nada, o tuba estava mudo, as veias de seu pescoço ficaram intumescidas, seus olhos pareciam querer saltar das órbitas e nada, nem um som; foram segundos angustiantes para todos, o silencio era opressivo, até que Dino enfiou seu braço dentro do tuba e retirou uma garrafa cheia de cachaça

Os músicos que não tinham perdido a cabeça com o incidente, mantiveram o compasso e então Dino se vingou; jamais se ouviu ou se ouvirá um solo de tuba igual aquele, as notas escorriam suaves como mel escorrendo de um pote, até o padre parou com as mãos erguidas e ficou ouvindo em êxtase, as moças choravam emocionadas com tamanha beleza.

Terminada a missa, Zurico foi as contas com Dino porque achou que a cachaça criminosa era propriedade dele, mas ele negou de maneira tão firme e seria que foi acreditado; o delegado então desconfiou do enviado da banda rival, que ele vira rondando o alojamento dos músicos e saiu a sua procura; o mau caráter estava em um boteco, tomando uma cerveja e brindando a si mesmo.

Estava alegre com a peça que pregara na Banda José Higino, mas a alegria acabou, quando viu o delegado Zurico vindo em sua direção, quis cair fora , mas não deu tempo, Zurico não conversou, agarrou o safado pelo pescoço e o levou a delegacia da Vila do Rato, onde seu colega o delegado Zeca, deu uma lição no infeliz e o deixou preso por três dias, até os festejos terminarem.

Só depois que a gloriosa Banda José Higino se retirou do lugar, carregada de aplausos e presentes, foi que o delegado Zeca soltou o espião da Lira Progresso que chegou em São João, com o rabo entre as pernas, morrendo de medo da vingança do delegado Zurico que não era de fazer abatimentos em ofensas e traições, ele não perdia por esperar e sabia muito bem disso.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado noi EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 25/09/2008
Código do texto: T1196863
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