Adeus, Sofia.

Eu comprei flores; as suas flores favoritas, e corri para dentro do carro protegendo o bouquet da chuva forte que caía. Eu estava bonito, sei que estava, e o meu traje era digno praquela ocasião. É o meu primeiro encontro com ela e, provavelmente, o último.

Coloquei as flores no banco do passageiro, mas não antes de puxar fortemente o ar e sentir o perfume daquelas lindas pétalas vermelhas. Ela adora flores vermelhas.

A chuva não dava trégua, os pingos atacavam violentamente o pára-brisa do carro, e o limpador não dava conta, então decidi esperar que a chuva amenizasse um pouco. Liguei o rádio, procurei pelo meu CD do Pink Floyd no porta-luvas, mas não o encontrei. Sintonizei, então, uma rádio qualquer e tentei relaxar. Encostei minha cabeça no vidro da janela e fiquei a observar a chuva e suas peculiaridades. Crianças sorriam enquanto pisavam em poças d'água no meio da calçada, velhinhas tentavam se proteger embaixo dos toldos dos pontos comerciais, um casal de meia-idade se apressava em fugir das gotas fortes e geladas. Uns felizes, outros não; definitivamente, chuva não é algo que agrada a todos.

Pensei em Sofia. A essa hora ela devia estar dormindo; ela adora dormir em tardes de domingo. O corpo quente sobre a cama macia, o rosto marcado pelo travesseiro amassado, o cabelo bagunçado. Com certeza a TV estava ligada, repetindo milhares de vezes a música dos créditos de algum filme de terror. Ela adora filmes de terror. Sorri. Sofia com certeza era a melhor filha que se pode ter. Eu é que não sou o melhor pai. Lá em casa era assim; eu é que sempre fui o bebê, a criança, o adolescente revoltado, enquanto Sofia, no auge de seus 17 anos, cuidava de mim. Ela estava condicionalmente presa à mim, e sua liberdade era nula. Eu não queria mais isso. Eu a amo. Tanto quanto amei sua mãe, Íris. O problema é que eu nunca me amei, e isso influenciou diretamente na minha convivência com elas; meu amor se transformava em pancadas, em palavras que as machucavam, em vidros quebrados e olhos vermelhos. E desde que Íris morreu no inverno de 1998, Sofia só teve a mim. Agora ela tem também o Tiago, seu namorado; um bom garoto. Sabe fazer bem à ela. Tanto quanto eu.

'Acordei' do pensamento profundo por causa de um raio que caíra em algum lugar ali perto, e a chuva ainda não cessou.

Estava ansioso, esse encontro estava me angustiando. Na verdade eu já poderia dar partida no carro e ir, mas ainda falta alguma coisa. E, além do mais, queria estar impecável ao encontrá-la; não queria que a chuva estragasse meu cabelo, nem molhasse meu terno. Decidi aguardar mais um pouco. Abri novamente o porta-luvas, peguei a garrafa de Uísque, abri e tomei um gole. E outro, e outro. Esvaziei a metade restante da garrafa, e chorei.

A chuva cessou. Ligo o carro e vou à direção a ela, num endereço o qual eu nunca soube; o qual eu nunca procurei. Já é noite, e a cidade está bem iluminada. As flores estão intactas ao meu lado, e, enquanto lágrimas escorrem pelo meu rosto, eu acelero.

Pego a avenida principal em direção ao centro, ultrapasso todos os carros que vejo pela frente, e, de repente meu celular toca. Coloco a mão no bolso pra alcançá-lo; é Sofia. Exitei em atender, mas quando o fiz Sofia disse:

- Papai, que horas você volta?

No mesmo segundo avistei aquela que me aguardava. Veio dentro de uma carreta carregada de flores, que atravessava veloz a rua e vinha na contramão, na minha direção. Fiquei mudo. Seria daquela forma então o nosso encontro. Soltei o celular e acelerei.

- Papai? Papai?

Sofia adorava me chamar de Papai.

William Telles
Enviado por William Telles em 12/10/2008
Reeditado em 12/10/2008
Código do texto: T1224603