A PENETRA

Cecilia bem que desejou não aceitar o convite. Disse não na primeira vez, disse não na segunda, mas temos que concordar que dizer não pela terceira vez era demais, até mesmo para ela.

E assim, não querendo ir e adivinhando que ao chegar lá, aqueles que fizeram o convite para uma festa que nem lhes pertenciam, encontrariam seus amigos e a deixariam ali, se sentindo a pior pessoa do mundo e jurando para si mesma que nunca mais aceitaria convite nenhum (exceto se este viesse do dono da festa e com o qual tivesse um bom laço de amizade), foi ao churrasco.

Por todo o caminho, esfregou as mãos, mordeu os lábios e quando chegaram, precisou respirar fundo para descer do carro. Ao longe, pôde ver rostos conhecidos, um ou outro desconhecido, mas nenhum amigo, ninguém de quem pudesse se aproximar, abraçar e dizer: “Que bom te encontrar por aqui!”.

O que se passou depois, já sabem. Enquanto tentava sorrir e se mostrar a vontade, seus pensamentos lhe feriam como lâminas. O refrigerante, que aceitou depois de oferecerem-lhe insistentemente, desceu por sua garganta como fogo. Perguntava para si mesma como poderia ter sido tão burra a ponto de aceitar aquele convite. Se ao menos o carro lhe pertencesse e soubesse dirigir, poderia inventar uma dor de cabeça e ir embora.

As músicas sertanejas e gauchescas, das quais tinha verdadeiro horror, corriam no mais alto volume pelo salão, algumas pessoas dançavam, outras apenas conversavam e riam. Cecilia permanecia encostada na parede, com o copo quase vazio na mão, balançando positivamente a cabeça sempre que se dirigiam a ela.

Sua agonia se agravava a cada vez que uma das convidadas da festa se esforçava ao máximo para que ela, que desempenhava o pior papel de penetra já existente, se sentisse a vontade. Aquela mulher mal lhe conhecia, mas fazia questão de tratar-lhe com muita simpatia e carinho, e este tratamento fazia com que se sentisse culpada por não conseguir retribuir aquele esforço de transformá-la em uma convidada desejada. Sentia-se culpada por descobrir que o problema não estava nas outras pessoas, mas sim, nela.

Tentou uma aproximação, precisava ser mais sociável. Sentou-se próxima à mulher que lhe fora tão receptiva e pensou em puxar conversa. Mas sobre o que falaria? Ela que era uma péssima falante, que sabia falar apenas de escola, estudos, uma ou outra coisa de literatura, livros ou futebol, sobre o que falaria? Todos estes temas pareciam estar muito distante dos interesses daquela que a tratava tão bem e para não se tornar inconveniente, não ousou dizer palavra alguma.

De longe, um homem a observava e ela fingia não ver aqueles olhos cheios de interesse. Chegou a pressentir a intenção dele de convidá-la para uma dança, contudo, para evitar a situação constrangedora de ter que responder ao convite, levantou-se e foi se refugiar no banheiro feminino...

Apesar de não ser mais inverno, a noite, de repente, tornou-se gelada. Os convidados, um a um, sentiram a necessidade de voltar para casa se proteger do frio que não esperavam. O dono da festa encarregou-se de apagar a churrasqueira, silenciar as músicas e desligar as luzes.

Dany Ziroldo
Enviado por Dany Ziroldo em 12/10/2008
Reeditado em 09/01/2009
Código do texto: T1224903
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.