Meu avô e eu

Quando eu era criança eu olhava para as outras crianças e via que eu era diferente delas. Todas elas tinham uma coisa que eu não tinha, mas queria muito ter: um avô !

Sábado cedinho todas as crianças que eu conhecia passeavam

com seus avôs de cabeça branquinha na praça. Eu queria um também. Então resolvi pedir esse presente para uma pessoa que resolveria meu problema.

- Mãe, eu quero um avô!

- Mas você tem seu avô que mora na Espanha, minha filha! - disse minha mãe surpresa.

- Mas ele mora na Espanha, eu não conheço ele! Quero um avô de cabeça branquinha!

Eu queria tanto um avô que minha mãe se comoveu, o pai dela

tinha morrido bem antes de eu nascer. Então ela teve uma idéia, ela foi procurar um avô para mim. Minha mãe era manicure e tinha uma amiga dela que também era cliente. Ela se lembrou de que essa amiga era casada, então contou a história para ela, do meu desejo de ter um avô. Ela achou engraçado, mas concordou. Finalmente eu teria um avô de cabeça branquinha, como eu queria.

Eu não lembro bem como foi o dia do nosso encontro, só sei que

saí frustrada... meu novo avô não tinha a cabeça branca ainda.

Mesmo assim resolvi tentar e com o passar do tempo vi no meu avô a

pessoa mais maravilhosa do mundo, meu melhor amigo. Acabei por adotando sua esposa como avó também, ou melhor, ela me adotou como neta.

Que poder eles tinham! Faziam com que o mundo fosse diferente. Faziam com que o gosto da cebola fosse mais agradável, como minha "voinha" cozinhava bem! As manhãs de sábados eram diferentes agora, meu avô me levava sempre na Quinta da Boa Vista para brincar de bola, comer milho e cachorro quente.

Conheci a casa deles e andei muito no fusquinha que eles tinham. No natal eu tive uma surpresa, eles me deram uma bicicleta! Eu fiquei tão feliz, mas eu não entendia o valor de tudo o que eles faziam, realmente.

Até que um dia eles avisaram que estavam de mudança, iriam

para tão longe e eu perderia meus avós queridos. Como eu chorei nesse dia, foi o dia mais triste pra mim, o mais triste da minha infância! Quem iria agora me levar pra passear? Quem me levaria para a piscina? Quem iria me levar pra andar de cavalo e soltar bolinhas de sabão com o canudinho? Aonde eu comeria um arroz de brócolis tão bom senão na casa da minha avó? E o enroladinho de salsicha? E o macarrão parafuso? A verdade é que eu os amava mais do que o meu pai. Repito, amava o meu avô mais do que o meu pai. Meu pai que achava que criar um filho era apenas dar dinheiro e não amor.

Meses depois, eles já tinham ido embora. Assim que eles acabaram de construir a nova casa deles, eu fui visita-los nas férias de Julho e tive uma surpresa ótima: eles haviam feito um quarto para mim! Eu teria meu próprio quarto na casa deles, poderia levar minhas coisas e meus brinquedos. Depois de alguns dias lá reparei um detalhe que não tinha rreparado antes, algo que nunca tinha se passado pela minha cabeça.

- Voinho, quem são esses aqui no porta-retrato?

- São meus outros dois netos.

- O Senhor e a Voinha tem mais netos? - Perguntei assustada.

- Sim, temos sim! O mais velho tem 18 anos e o mais novo tem 16.

- E eles são netos postiços que nem eu?

- Não, são nossos netos de verdade.

Eu fiquei triste, enciumada. Nunca tinha pensado na possibilidade de eles terem mais netos. Meu avô viu minha tristeza e completou a frase.

- Você também é nossa neta! Vou te contar um segredo, eles não ligam tanto para nós. Quando eram crianças, ligavam mais. Mas eles cresceram e escolheram outras amizades. Os netos são assim, crescem e esquecem. Não entendi muito bem o que meu avô disse, só fiquei feliz porque eu os tinha e falei animada:

- Mas eu não serei assim, voinho. Eu sempre vou me lembrar de vocês!

Meu avõ não me respondeu mais. Logo chegou o dia de eu ir embora, mas eu me diverti bastante. Foram as melhores férias da minha vida. As aulas voltaram, estudei demais aquele ano. Estava na 1° série, eu tinha medo da prova de cálculos e problemas, tinha medo de ficar em recuperação. Logo veio a 2° série com todas as continhas de divisão, em seguida a 3° série e a 4° série. Eu já estava saindo do primário e ia para o ginásio. Não demorou muito para vir a 1° menstruação e a preocupação com o corpo. Os brinquedos foram ficando de lado junto com as bonecas.

Rapidamente eu via minha família fazendo os preparativos para

os meus 15 anos. Minha mãe alugou um vestido lindo! Tudo passou tão rápido, estava cursando já o ensino médio, teria que pensar no meu futuro, no vestibular, na minha faculdade. Me formei, entrei de férias e não tinha lugar algum para visitar. Então tentei lembrar para onde eu ia quando entrava de férias. Ah, para a casa do meu avô! Há quanto tempo eu não ligava para ele mesmo? Nossa, há quanto tempo! Era tão boa aquela época, eles faziam tantas coisas para mim, tantas coisas para me agradar, para me ver feliz. Eu, agora, entendia o valor de tudo o que eles fizeram. Não eram sequer meus avós de verdade, e deixaram de fazer várias coisas para estarem comigo. Construíram um quarto para mim e eu sequer passei algum tempo lá ou levei minhas coisas. Nem lembro que fim deu a bicicleta que me deram no natal. Porque mesmo que não os liguei durante esse tempo todo? Porque não os procurei como antes? Agora eu entendo a conversa que meu avô teve comigo aquele dia. As vezes crescemos e esquecemos, mas não queríamos nos esquecer.

Será que é muito tarde para cumprir uma promessa, vô?

Dita Spieluhr
Enviado por Dita Spieluhr em 13/10/2008
Código do texto: T1226593
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