Os Santos

A noite estava sublime. Estrelas enfeitavam reluzentes o céu negro. Na rua, Santa Mariana, não havia almas, passos e nem vidas transitando entre as calçadas cobertas por folhas secas, que sempre caíam das árvores centenárias.

A vizinhança refugiada em suas singelas casas, dormia na esperança de encontrar o Sol pela manhã que não poderia nascer.

O silêncio antes imperioso foi demolido pelo ronco voraz de um motor de carro. A bela máquina andante azul, estacionara ao lado da capela Nossa Senhora dos Prazeres.

O motor potente morreu, os faróis antes acesos se apagaram tornando-se opacos como a vida de muitas pessoas solitárias.

A solidão está escondida em cada ser humano. Os sonhos que nascem e morrem , a vontade de concretizar o que nunca foi realizado atiçava, ressuscitava a vida de dois santos.

Luzia era uma típica moça de classe média, oriunda de uma família modesta, ela acreditava em seus devaneios e ambições. Não colecionava grandes amores, já havia se apaixonado como qualquer ser que se julga mortal.

Ela trabalhava em uma clínica veterinária, o salário ínfimo não a satisfazia, embora ajudasse a família e com o resto da quantia, a moça comprava alguns romances baratos e surrados em um sebo do centro da cidade.

- Se eu pudesse mandar no meu coração, eu jamais ousaria roçar os meus lábios nos seus.

Jorge sorria, tentava de alguma forma encontrar dentro de si, uma maneira racional de controlar os seus próprios sentimentos. A consciência o acossava, mas o deleite de estar ao lado de Luzia dissipava qualquer tentativa de ser, o homem pacato, trabalhador e fiel.

Duas almas, dois mundos tão diferentes construíram um universo paralelo, onde as promessas de amor, mesmo não sendo perenes gemiam como um último suspiro na noite. Tudo era concretizado. As poucas horas de união se tornaram inefáveis.

O tempo feroz percorria o espaço, contudo a chama acesa de dois corpos enamorados sucumbia o mundo, as obrigações, os erros e os pecados.

- Estamos pecando?

-Se é pecado entregar o meu eu, então, estamos todos condenados.

O inferno existe , quando qualquer ser, nega a sua própria felicidade.

Luzia e Jorge talvez não se importassem com o futuro. Antecipar o sofrimento corrói o sonho presente. É mais gracioso morrer buscando, a viver assassinando a alma.

No interior do carro, saudades e utopias. Gestos obscenos. Quase todas as noites o ato sagrado se repetia. O orifício úmido esperava ansioso o seu batismo. Olhares se cruzavam na hora do beijo pueril, mas os corpos imergiam em desatino no enlace da comunhão carnal.

O paraíso visitava a terra. Dois santos realizando milagres, que o próprio Deus havia de hesitar.

Sim, mas eles estavam ali, gozando, cantando júbilos. O cajado santo, rasgando o véu da sensatez. Os anjos no céu celebravam, gritando “aleluia”.

As luzes da cidade rutilavam os semblantes cínicos. Os santos se fadigam, precisam de repouso após a purificação. Já os demônios pedem guerra, sacolejam ira.

A paz nos seduz em seus braços angelicais.

-Preciso ir...

O carro ganha fôlego de vida, os faróis agora acesos iluminam a rua deserta, queimam a felicidade dos santos.

Luzia tenta se recompor, abotoa o vestido, esquadrinha seu rosto dissimulado no pequeno espelho que carrega em sua bolsa, companheira inseparável.

Jorge abre um sorriso, rasgando seu rosto de barba cerrada. Degusta feliz o sabor celestial dos seios da insanidade.

A expressão antes jovial volta a ser de um homem pacífico, lacônico. Homem de família.

O caminho é longo, a vida... Repentina sempre...

A despedida é irreversível, momentos de glória duram somente no verão, tudo acaba tudo se desfaz como as nuvens no céu.

O presente é para sempre, a melhor lembrança a ser guardada.

(Para N.F. L)

Mayanna Davila Velame
Enviado por Mayanna Davila Velame em 15/10/2008
Código do texto: T1229203
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