JOGO DO BICHO

JOGO DO BICHO

Problemas não faltavam ao delegado Zurico na Vila de São João porque o povo era metido a valente e as brigas faziam parte do calendário, todas as datas festivas eram comemoradas com muita bebida, alegria e brigas e a autoridade se desdobrava o tempo todo para evitar que de simples arruaças as contendas se tornassem batalhas campais com mortos e feridos, as vezes ele conseguia evitar o pior e as vezes não, porque aquela era uma comunidade guerreira.

A respeitada autoridade era pau para toda obra, se um marido se desviasse do caminho era fatalmente reconduzido a ele pelo carrancudo delegado, se alguma família não aceitasse o namoro de uma filha, Zurico investigava o pretendente e se nada o desabonasse fazia o pedido de casamento e estava tudo resolvido e essas intervenções lhe rendiam muitos afilhados de casamento e depois quando os filhos nasciam ele era sempre o padrinho escolhido.

As ocorrências policiais ele resolvia por bem ou por mal e os infratores da lei se pelavam de medo de ir parar na delegacia da Vila de São João, porque de lá ninguém saia sem levar uma boa surra de tala, mas ele era um homem justo e dizia: aqui todos apanham, se for bandido para se emendar e se não for para desistir de ser; aquela policiada vila era de uma segurança quase total, mas o jogo do bicho desafiava até o mal afamado delegado, porque o povo gostava demais.

Dona Marica a esposa de Zurico era uma das mais ferrenhas apreciadora do jogo ilegal e tinha dificuldades para jogar pois os bicheiros passavam longe de sua casa por motivos óbvios; as pessoas sentiam mais medo que respeito pelo delegado, mas sua senhora

tinha o maior respeito pelo marido, porque medo não precisava ter já que conviviam muito bem e na mais completa paz; ao chegar em casa ele se tornava uma pessoa diferente, se tornava gentil e carinhoso.

Apesar do amor e consideração dedicados ao bravo marido, dona Marica queria jogar no bicho e de tanto pensar no assunto ela encontrou a solução: o jeito era ela própria se tornar uma vendedora do ilegal divertimento; se bem pensou melhor fez, conversou em particular com Guerra que era o banqueiro da contravenção e passou a jogar na sua própria cozinha, ela, sua mãe, irmã e umas comadres de confiança, que levavam a lista e dinheiro para o Guerra.

Durante vários meses esse arranjo secreto funcionou bem, mas numa vila pequena como aquela a historia vazou, porque Zurico recebeu um bilhete anônimo dizendo: delegado na sua cozinha não se assa só bolos, mas também se assa o bicho; o esperto policial matou a charada na hora e voltou fora de seu horário para sua residência pegando o mulherio jogando na maior animação, foi um susto colossal e só não foram todas parar na cadeia porque sua esposa era a chefe .

Dona Marica ficou na maior saia justa, se desculpou de todas as maneiras e prometeu nunca mais infligir a lei, mas enquanto prometa ela cruzava os dedos nas costas porque sabia que é mais fácil deixar de fumar do que deixar de jogar no bicho; durante muitos dias o delegado conservou a zanga, mas ele adorava a esposa e no final perdoou o mau jeito, mas nunca mais se descuidou deixou de ter horários fixos, chegava de repente e assim manteve a lei respeitada em sua casa.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 18/10/2008
Código do texto: T1234580
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