ANGÚ DOCE ENCRENQUEIRO

ANGÚ DOCE ENCRENQUEIRO

Das comidas simples do passado a preferida de Ginão era o conhecido angú doce; na rica e deliciosa cozinha mineira, os pratos são cada um melhor que o outro, os sabores se misturam de maneira maravilhosa, tudo parece planejado pelos deuses para satisfazer aos mais exigentes paladares; quem não se encanta com uma panela cheia de frango com quiabo, um suculento galopé, um tutu de feijão com torresmos e principalmente uma leitoa á pururuca e um pão de queijo.

Além desses pratos citados a velha culinária das Gerais possui uma lista gigantesca de delicias é só escolher e se fartar, mas preferências não se discute e discutir com o destrambelhado Ginão além de ser uma total perda de tempo, era coisa perigosa porque o homem era uma anta: grosseiro, atrevido, desbocado e metido á valente, era uma pessoa perigosa e sempre pronto a violentas explosões; o mais sensato era se manter longe dele e de suas manias.

Solteirão rabugento, mal amado e sempre vestido de roupas

pretas, era uma figura assustadora para as crianças e também para os adultos que se mantinham o mais longe dele que fosse possível; suas rendas eram mínimas, só possuía a casa onde morava e um barracão modesto que ele alugava por pouco mais que nada, trabalhava de funileiro, mas as coisas que produzia eram mal acabadas: canecas tortas, chaleiras de formatos estranhos e por isso tinha poucos clientes.

Ginão ganhava pouco, mas gastava menos ainda porque suas roupas eram de tecidos duráveis e resistiam anos a fio porque raramente eram lavadas e a sujeira aumentava sua resistência, um par de botinas agüentava por muito tempo e para comer ele simplesmente fazia visitas aos parentes no horário das refeições, almoçava com um, tomava o café da tarde com outro, jantava com outro mais e o café da manhã era sempre com sua irmã e vizinha dona Ana e sua sobrinha .

Não era por acaso que ele filava o desjejum de sua irmã e não era por gostar mais dela que dos outros, porque de mal com a vida e com tudo que o cercava, ele não gostava de ninguém incluindo ele próprio, o motivo da assiduidade era o divino angú doce que dona Ana preparava todas as manhãs; era um angu de fubá muito fino, muito açucarado e recheado de infindáveis pedaços de queijo de minas que derretiam com o calor, era o sonho de um apreciador.

Esse arranjo foi mantido por anos e anos e para Ginão estava de bom tamanho, mas como perfeição não existe, apareceu um entrave: era Doca a sobrinha solteirona e mal humorada como ele, a vitalina detestava o rabugento tio e não queria que sua mãe o recebesse para o café da manhã, todos os dias ela atormentava dona Ana pra se livrar do fila bóia, mas a bondosa senhora dizia: Doca ele é meu irmão, vive só e não me custa nada fazer o angu doce para ele.

A maldosa encalhada passou a inventar planos para se livrar daquele encostado, mas nada dava certo; ela xingava para ele ouvir, ele xingava de volta e continuava a aparecer todos os dias, ela colocava fios de cabelos no angu, ele retirava o corpo estranho e comia o delicioso angu com gosto, fingindo não ver a maldade da sobrinha, desesperada ela teve uma idéia: quando sua mãe colocou o angu fervendo no prato ela virou a iguaria no pé de Ginão.

A botina do coitado estava rasgada e o fervente angu se espalhou por seu interior, ele pulava e gritava tentando retirar o calçado, mas desorientado pela dor demorou a conseguir e o pé se queimou todo; dona Ana limpou e fez curativos, mas as queimaduras eram graves e ele ficou muito tempo sem poder andar, ai além do café da manhã ela passou a levar todas as refeições para o irmão, Doca quase morreu de raiva com o resultado de sua maldade, porque agora ele era comensal de todas as refeições, com direito a angu doce de sobremesa e uma dose extra de queijo minas.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 21/10/2008
Código do texto: T1239390
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