CASAMENTO À AMERICANA

Luizinho nasceu com muitos problemas, principalmente cegueira e autismo. Seus pais, Rita e Antônio não eram casados. Ele era divorciado e ela solteira. Esse fato causava um certo constrangimento ao casal, principalmente quando era necessário apresentar ou legalizar qualquer documento. Moravam nos Estados Unidos, mais especificamente no Estado da Flórida, onde foram em busca de uma melhor assistência para o menino, que frequentava uma escola para crianças especiais.

Luizinho, com 5 anos de idade, era uma criança agitada, e como se encontrava de férias na escola, os pais sempre procuravam sair com o garoto para mantê-lo entretido. Numa dessas tardes de verão, logo após o almoço, Rita sugeriu à Antônio:

— Vamos ver se é possível se casar aqui? Poderíamos ir até o Fórum da cidade para ver quais são os documentos necessários.... Ou você não quer se casar ?

— Já fiz essa besteira antes, posso repeti-la, mas deve ser complicado para nós que somos estrangeiros. Acho que precisamos traduzir oficialmente todos os nossos documentos e isso vai levar uma eternidade, mas se não formos lá, nunca ficaremos sabendo. Vamos embora ?

— Vamos, vamos nos trocar. — aceitou Rita.

— Eu vou assim mesmo! Já estou indo para o carro com o Luizinho.

Era uma tarde ensolarada e quente, a temperatura estava beirando os 35 graus centígrados. Antônio estava de chinelos, bermuda e camiseta regata, tal qual seu filho. Rita apareceu em seguida trajando calça comprida, camiseta e tênis. Em poucos minutos estavam no suntuoso edifício do Fórum da pequena cidade na qual eles moravam. Foram diretamente à sala onde se tratava de assuntos familiares.

Alguns poucos guichês atendiam um número menor ainda de interessados. Foram atendidos de imediato. Enquanto Rita cuidava de manter Luizinho entretido, Antônio, de frente para a atendente, perguntou:

— Por favor, preciso de uma informação, Senhora: Somos brasileiros, gostaríamos de nos casar mas não conhecemos os procedimentos legais aqui na América. O que devemos fazer?

— Basta vocês falarem com o pastor da igreja que vocês freqüentam que ele tomará todas as providências necessárias.

— Bem, nós não freqüentamos nenhuma igreja, senhora. — Antônio abaixou o olhar.

— Sem problemas. Vocês poderão casar-se aqui mesmo se quiserem. Para tanto basta apresentar a identidade, pagarem uma taxa de U$ 70,00 e responderem algumas perguntas para obterem o pedido de aprovação.

— Ótimo, queremos fazer o pedido agora. Quanto tempo vai demorar para sair essa autorização ?

— O tempo necessário para que o senhor e sua noiva respondam as perguntas, e se vocês quiserem, faremos em seguida a cerimônia.

— Hoje, agora ? — Antônio surpreendeu-se.

— Sim agora mesmo. Peça para a noiva ir pagar a taxa na sala ao lado enquanto o senhor começa a me responder.

— Você viu só, Rita? Que moleza ! Vá pagar a taxa e cuidado com o Luizinho. Não deixe ele tocar em nada. Pode começar, Senhora.

— Quantas vezes já se casou ?

— Uma.

— Qual a data de seu divórcio ?

Antônio não se lembrava e disse uma data qualquer. Enquanto Antônio respondia as perguntas, Rita foi pagar a taxa e logo estava de volta. Mais algumas perguntas e estava tudo concluído. Em seguida, todas as mesmas perguntas foram repetidas para Rita., enquanto Antônio cuidava do menino. Ao terminar o questionário, a funcionária forense pediu:

— Por favor, dirijam-se para a segunda porta à esquerda e logo estarei lá.

Rita e Antônio se entreolharam estupefatos segurando a gargalhada colocando as mãos na boca. A funcionária acreditava em tudo que ouvia, não pedia nenhuma prova, acreditava na palavra.

Os três estrangeiros obedeceram. A sala, toda acarpetada, com requintes de nobreza, possuía uma espécie de balcão e algumas cadeiras o rodeavam. Num canto, um pedestal ostentava um enorme vaso de porcelana ornado com flores artificiais perfeitas. Alguns quadros decoravam as paredes. Antônio estava boquiaberto, perplexo.

— Já pensou se estivéssemos no Brasil ? Eles iriam pedir mil documentos, todos com firmas reconhecidas! Esses americanos são práticos mas muito ingênuos ! E se eu ainda fosse casado ? Aqui deve existir muitos bígamos, trígamos e daí para a frente!

— Aqui a palavra é respeitada e você sabe que, se mentir, poderá acabar na cadeia. Todos são inocentes, até prova ao contrário. No Brasil, todos são suspeitos e se, não provarem a inocência, vão encontrar muitos problemas, principalmente os pobres. — Retrucou Rita.

Nesse instante a funcionária adentrava a sala empunhando um livro, dirigiu-se para o pequeno balcão e pediu:

— Por favor, os noivos fiquem à minha frente.

Antônio e Rita, que segurava o filho no colo obedeceram.

— Somente os noivos! Observou a funcionária, referindo-se ao garoto.

Rita colocou o menino sentado numa das cadeiras e retornou ao lado de Antônio. A funcionária iniciou a cerimônia.

Luizinho estava inquieto, dava gritos que assustavam e faziam a senhora interromper várias vezes suas palavras. Rita ralhava com o menino em português, Antônio não conseguia ocultar seu mal-estar com a situação. A Oficial da cerimônia iniciou então a clássica pergunta:

— Rita é de sua livre e espontânea vontade receber Antônio como seu legítimo esposo?

— Sim, respondeu Rita sorrindo com meiguice para Antônio.

— E o senhor Antônio, aceita Rita como sua legítima esposa ? — Antônio ainda com um sorriso nos lábios fez suspense. Olhou para Rita, olhou para seu filho, assustou-se e gritou:

— Não !!!!!!!!!! — correu acudir o menino que balançava o pedestal, chegando a tempo de salvar o vaso de porcelana que se precipitava ao solo. No caminho deixou as sandálias para chegar mais depressa. Luizinho assustou-se e caiu sentado no chão. Rita abandonou seu lugar e foi também socorrer o filho que ria muito. Rita ralhava com ele e Antônio, assustado, também o censurava:

— Que menino, não para quieto ! Já pensou se o vaso quebrasse ? Teríamos que pagar ou caso contrário eu iria para a cadeia por conta do prejuízo que você cometeu.

A funcionária do Fórum, atônita, assistia tudo sem entender uma palavra sequer, pois o casal falava em português. Em tom autoritário disse:

— Voltem para cá que tenho mais o que fazer e mantenham o menino bem seguro entre vocês. Às vezes temos que quebrar algumas regras. E então, Sr. Antônio: O Sr. quer ou não quer receber Rita como sua legítima esposa ? — Antônio, envergonhado, corou.

— Senhora, desculpe-nos. Nosso filho é cego, ele não teve a intenção..... — foi interrompido:

— Por favor Sr. Antônio, responda a minha pergunta.

— Sim, eu aceito..... — foi interrompido novamente.

— Eu os declaro marido e mulher. Assinem aqui no livro, retirem o documento no guichê e tenham um bom dia ! — a senhora retirou-se resmungando, parou e olhando para os brasileiros, disse

— Parabéns !

Rita foi retirar a certidão e Antônio já caminhava com Luizinho em direção à saída. Rita os alcançou rindo muito, contagiando Antônio que também caiu na gargalhada. Ao pisar no quente asfalto do estacionamento, Antônio notou falta de algo :

— Vá indo para o carro, vou buscar minhas sandálias!

Mário Mercadante
Enviado por Mário Mercadante em 16/03/2006
Reeditado em 20/03/2006
Código do texto: T124001