HISTORIA CONTADA, COSTAS LANHADAS

HISTORIA CONTADA, COSTAS LANHADAS

João Zico era um ser criativo e totalmente irreverente, não respeitava as tradições daquele lugarzinho antiquado onde vivia; com sua mania de inventar historias chocava as pessoas com seus destemperos, mas como era boa pessoa e bastante divertido era bem-vindo nas casas e todos eram seus amigos apesar de sua falta de respeito com os costumes e manias daquela gente cheia de crenças, superstições e puritanismo; ele respeitava senhoras e senhoritas e só.

Até o nome da pequena cidade era católico pois se chamava Santo Antonio das Preces, por ai se percebe o fanatismo religioso da minúscula comunidade; naquele lugar as missa de domingo era o único programa da população, que voltava a aparecer somente á noitinha para voltar a igreja e rezar contritamente o terço, o divertimento era esse: rezar, rezar e rezar, festas só as religiosas porque as profanas eram consideradas coisas do demônio.

Além de contar historias, João Zico trabalhava na lavoura de dia e á noite tocava tuba nos ensaios da banda de música local, e em época de procissões ele marchava garboso com seus companheiros atrás dos santos tocando dobrados e hinos de louvores aos santos da ocasião, mas por dentro ele ria de tudo aquilo porque secretamente ele não acreditava em nada daquilo pois era ateu, mas o melhor que fazia era se calar sobre esse seu lado contrario aos hábitos do lugar.

Durante seu trabalho ele não inventava historias, trabalhava calado e era ótimo trabalhador, mas nas horas de descanso ele usava sua prodigiosa imaginação e criava casos mirabolantes de bichos, fadas, fantasmas e tudo mais que lhe viesse a cabeça, mas evitava contar coisas sobre religião pois sabia que o resultado podia não prestar e inteligente como era não se arriscava com o melindroso assunto, assim agradava a gregos e troianos e evitava encrencas.

Ele era casado e apaixonado por Xanica sua mulher, mas viviam como cão e gato, suas brigas eram famosas porque ela tinha classe para discutir, mas ele chamava raios e trovões aos gritos e invocava o capeta para leva-la para o inferno, suas desavenças eram o assunto predileto dos fofoqueiros do lugar porque ele era engraçado demais e aproveitava os entreveros com a mulher para fazer graça e isso tornava as coisas piores, porque Xanica se sentia ofendida.

Entre entreveros com a esposa , o trabalho, os ensaios com a banda de musica e as historias contadas aos amigos, João Zico vivia em paz e se divertindo sempre, durante anos e anos essa rotina continuou inalterada e a vida seguia seu curso em paz e harmonia, porque até suas brigas com a mulher eram consideradas brincadeiras por ele; certa tarde de domingo resolveu contar uma historia diferente das costumeiras para os amigos, mas não contava com a reação deles.

Com seus ouvintes reunidos ele disse, gente escuta só essa historia: na semana santa do ano passado eu tocava minha tuba com a banda como sempre, mas eu estava muito inspirado e quando fiz um solo parecia um uirapuru cantando e foi ai que aconteceu o milagre, o Senhor dos Passos lá do seu andor olhou para trás e disse: vai tocar tuba bem assim lá nos quintos dos infernos João Zico meus parabéns sô, depois olhou pra frente e a procissão seguiu seu caminho normal.

Foi um susto para aquele povo extremamente religioso, mas quando o espanto passou uma mulher gritou: vamos pegar o hereje e o mundo desabou em cima do contador de historias, todos queriam acertar um soco, um beliscão ou um pontapé e João Zico não sabia o que fazer para escapar daquele massacre, só não morreu porque Xanica apareceu com uma espingarda gritando: larga meu marido senão eu atiro, correram todos e ela arrastou o espancado para casa, cuidou dele xingando sem parar e o proibiu de contar historias para sempre.

Maria Aparecida Felicori

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 21/10/2008
Código do texto: T1241137
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