DESPEDIDA INÉDITA

DESPEDIDA INÉDITA

Na pacata Vila de São João o dia a dia era monótono porque tudo era feito no passo de tartaruga, muiiiiiito devagar sem pressa alguma; como no resto do mundo sempre aparecia alguma coisa ou alguém diferente para dar um pouco de animação e divertimento a comunidade, em São João existia um rapaz moreno, alto e bonitão que se chamava Norvino Andrade, mas atendia pelo apelido de Camundongo, ninguém sabia o porque da estranha alcunha.

Ele era um excelente amigo de todos e sobrevivia disso porque trabalho não era com ele, sua principal ocupação era procurar o inventor do trabalho e acabar com ele para vadiar sem remorsos; ele era o mais divertido desocupado do lugar, cantava e tocava violão muito bem e não perdia as poucas e simples festas que lá aconteciam, na verdade ele era a alma daquelas festinhas porque cantava se acompanhando ao violão, contava seus divertidos e alegres causos.

Era e foi sempre solteiro porque no seu modo de ver as coisas casamento era o arranjo final para acabar com a paz e felicidade de um homem; devagar sua família foi diminuindo seus pais morreram e de sete irmãos sobraram ele e Cotinha sua irmã também solteira, moravam juntos em uma velha casa na Praça do Passinho, mas viviam em permanente estado de guerra porque ele era preguiçoso e farrista e ela era puritana, fanática religiosa e adorava trabalhar de quituteira.

Os quitutes doces e salgados de Cotinha cobriam as despesas da modesta casa dos dois irmãos e isso irritava profundamente a moça que achava um desaforo trabalhar para se sustentar e ainda tratar do desocupado irmão, mas para Camundongo estava tudo bem e nos bate bocas com a irmã ele perdia sempre porque ela tinha uma língua afiada e contava com a compreensão e apoio de todos os moradores do lugar, apesar de gostarem dos causos e cantorias dele.

Seus amigos mais chegados o aconselhavam a procurar alguma coisa útil para se ocupar e ele respondia: nasci para me divertir e a palavra trabalho me dá coceira no corpo todo, vivo bem assim apesar dos xingamentos de Cotinha, mas quando eu morrer vocês vão ter uma surpresa porque minha ultima vontade está escrita e guardada numa caixinha dentro do armário do meu quarto, carrego a chave dela nessa corrente no meu pescoço para quando chegar a hora.

As pessoas achavam muita graça quando ele dizia isso porque só ricos deixam testamentos; a vida continuava sempre do mesmo jeito e Camundongo acompanhava no mesmo passo, sua saúde era muito boa e parecia que ia ter uma longa vida, mas ele que era abstêmio começou a beber rios de cachaça e seu corpo não gostou nada da mudança de hábitos, passou a funcionar mal e ele foi enfraquecendo, deixou o violão e parou de cantar e de contar causos.

Parecia que a boa saúde acumulada nos anos de vida descansada e saudável afastava a morte, com todos os problemas ele conseguiu sobreviver por um par de anos e quando finalmente faleceu nada restava do alegre Camundongo, seu velório foi muito concorrido porque ele era amigo de todos os moradores da Vila de São João e entre goles de pinga acompanhados dos quitutes da chorosa Cotinha, a noite passou com as lembranças de sua alegria.

Já quase de manhã um dos presentes se lembrou do testamento do falecido, retiraram a chave da corrente no pescoço do morto e foram procurar a caixinha que foi logo encontrada e dentro dela estava um pedaço de papel onde estava escrito: amigos de pandega essa é minha ultima vontade, quero ser enterrado com os braços fora do caixão, pra dar uma banana muito bem dada para o povo fofoqueiro e falso dessa porcaria de Vila de São João: Fuiiiiiii.

Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 27/10/2008
Código do texto: T1249961
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