A Pedra

Um mendigo com feições de índio tinha dado ao Gabriel uma pedra que brilhava sempre quando ele ligava o computador do seu quarto nas madrugadas e ficava batendo papo com os membros de uma comunidade de internautas que tinha a preocupação em preservar o meio ambiente. Ele tinha lido que inscrições semelhantes àquela haviam sido encontradas por arqueólogos em morros localizados na região pantaneira.

Aliás a forma como esta pedra veio parar nas suas mãos é bastante inusitada pois num dos dias em que eu o levava para escola, de dentro do ônibus ele viu a um índio agachado a beira do poluído rio que corta a cidade bebendo a água suja com uma lata destas iguais as de massa de molho de tomate. A imagem ficou marcada na sua mente que ele falou comigo por vários dias e aguçou ainda mais o sentimento preservação do meio ambiente. Na sua cabeça era incompreensível aquele grande rio permanecesse tão poluído. Apesar da imagem ter ficado tão marcante na sua mente que ele a repetia sempre pra mim que também vi a cena mas não fui tão tocado quanto ele..

Tudo teria ficado no esquecimento com o passar do tempo até que um belo dia, no entanto o velho índio acabou batendo na porta da minha casa, pedindo um copo da água. Esperto como ele só logo depois de dar a água para ganhar tempo e ir me chamar para ver o mendigo ele perguntou se ele não estava com fome e recebeu a resposta afirmativa do velho mendigo. Isso foi o tempo que ele queria para me chamar no fundo do quintal para mostrar o índio e depois preparou um prato com restos da janta para o mendigo.

Enquanto o índio comia, inicialmente de forma tímida, ele foi desfiando um imenso questionário sobre o índio e principalmente porque ele estava bebendo aquela água suja do Rio.

O velho índio mais preocupado em comer a comida que lhe foi oferecida não respondeu a maioria das perguntas mas esta relacionada a água ele acabou respondendo e, confesso, chegou a impressionar até mesmo a mim.

Entre outras coisas ele disse que as águas servem para purificar as pessoas pois afastam os maus espíritos e os levaram para serem tragados pela mãe terra no grande pântano e depois brotarem límpidas em outros locais que são as nascentes dos rios, lagos. Elas limpam o mundo e retornam para o grande pântano. Quando o grande pântano está cheio as águas estão repletas de espíritos impuros. Por isso de tempos em tempos o Grande Pântano seca pois é neste momento que a mãe terra traga a repleta de espíritos impuros.

De tempos em tempos o velho mendigo ainda bateu em nossa porta para pedir comida e água e toda vez que isso acontecia ele.contava histórias sobre o seu povo e sobre uma pedra que ele trazia no bolso de sua esfarrapada roupa e que continha umas inscrições que ele dizia que trazia sorte. Algumas coisas ditas por ele a gente entendia mas outras ele acabava misturando seu português com termos de um idioma que provavelmente deve ser alguma língua indígena, tupi ou Guarani.

Ele acabou acrescentando novos heróis á galeria de personagens do nosso Grande Pântano mas sobre tudo falava de um tal Mar de Xaraés que mais tarde descobrimos ser o nome dado por povos indígenas do Grande Pântano nos períodos de cheia quando a água tomava conta de toda a planície.

Já aculturado o velho índio falava sobre a pedra como se ela indicasse o local onde estava enterrado um tesouro do Grande Pântano que ele sonhava encontrar mais como já estava velho demais para isso. Numa de suas últimas aparições a frente da nossa casa, para entusiasmo do meu neto ele acabou dando-lhe de presente a tal pedra. Quando lhe deu o índio disse as seguintes palavras:

- Obrigado meu filho. Você é muito bom. Toma esta pedra, leve ela com você pois ela tem todos os brilhos que você vai precisar para iluminar a sua vida. Ela foi de uma antiga tribo que viveu na última ilha do Grande Pântano e servia para iluminar os guerreiros nas longas noites das cheias do Pantanal. Só com ela você poderá chegar a última grande ilha onde estão os bichos encantados do Grande Pântano e também o tesouro escondido..Se um dia você conseguir chegar a ilha vai encontrar a alma do meu povo e eles vão saber que eu não esqueci deles..

Com o tempo o velho índio demorava mais dias para passar até que nunca mais apareceu na porta da nossa casa e a pedra, que, na verdade era uma composição rochosa que tinha pequenos cristais e sais minerais que no escuro reluziam , especialmente quando havia um lua cheia, foi parar na estante do quarto do meu neto, um pré-adolescente.

Não sei se semanas ou meses depois ele acabou vendo na internet que arqueólogos tinham descoberto inscrições de civilizações antigas em pedras no meio do Pantanal e uma das inscrições era igual a que estava na tal pedra. Aquilo acabou despertando a sua atenção e procurou pesquisar na internet sobre o assunto. Para a sua surpresa as inscrições também despertaram a atenção de ufologistas.

Os ufologistas afirmavam que se tratava de um claro sinal de que seres extraterrestres estiveram no Pantanal. Os estudos científicos apontavam para algumas hipóteses mais lógicas como por exemplo que a tal pedra poderia ser vestígio de uma antiga civilização que desceu da Cordilheira dos Andes, conseguiu sobreviver as dificuldades dos períodos de cheias e secas e se estabeleceu no Grande Pântano que de onde o mendigo disse que a pedra veio.

Meu neto começou a pesquisar sobre a região do Pantanal e algumas coisas que encontrou na internet eram semelhantes as que eu ouvi do meu Tio Juca.. A misteriosa Grande Cobra Grande que encanta e engole suas prezas, o pássaro com o sol no bico, o crocodilo cujos olhos brilham e servem de guia para os pescadores, o peixe dourados que sabe o local onde está o tesouro que o general enterrou no grande pântano.

Eu sempre tive uma ligação muito grande com este neto porque boa parte do seus 11 anos sempre estive perto dele.

Como me tornei uma espécie de mistura de pai e avô nas brincadeiras que mantinha com meu neto sempre havia pactos e segredos só nossos.

A exemplo de outras coisas que haviam se passado em nossas vidas a promessa de uma viagem ao Grande Pântano, que eu imaginava que ele fosse esquecer já está se transformando num dos sonhos do garoto

Laureano da Rosa Secundo
Enviado por Laureano da Rosa Secundo em 21/03/2006
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