A DENTADURA FANTASMAGORICA

A DENTADURA FANTASMAGORICA

Lá muito distante, perdida nas brumas do passado estava a Vila de São João, moradia de um povo simples e trabalhador, zona rural que não contava com atendimento médico e muito menos odontológico, o que significava que a maioria dos moradores padeciam de doenças tratáveis e de dores de dentes angustiantes e com os remédios caseiros preparados pelos raizeiros, a situação só se tornava pior a cada minuto.

O sofrido povo de São João estava acostumado com os chás, xaropes e ungüentos preparados pela velha Teodosia, mas na verdade naquele lugar as pessoas morriam sem saber de que porque só tinham duas opções naquela vila e era sarar por milagre de Deus ou simplesmente morrer pela falta de recursos; com a s doenças, a morte e as mezinhas de Teodosia todos estavam acostumados, mas perder os dentes era muito triste e era comum.

Teodosia se esforçava para aliviar as dores daquela gente, mas seus remédios eram muito estranhos: para gripes , resfriados e chieiras do peito ela fazia chá de jasmim de cachorro { apelido de cocô de cães}, umbigos de recém nascidos ela curava com urina misturada com fumo de rolo e teia de aranha e as crianças morriam de tétano, que era chamado de mal de sete dias, e outras doenças tratadas com esses métodos medievais causavam mortes.

Eram outros tempos e dor de dentes se tratava com folhas de trançagem fervidas com leite e sal que aliviavam na hora e depois as dores voltavam e os dentes apodreciam e caiam; naquela vila a maioria das pessoas eram desdentadas, as moças cobriam a boca com as mãos pra rir e conversar, envergonhadas com a falta de dentes, mas mesmo assim conseguiam maridos, tinham filhos e tudo acontecia novamente.

Conformados com seu estilo de vida, acreditavam que assim era o certo e viviam felizes, mas de repente apareceu por lá um dentista pratico e foi uma reviravolta nos costumes do lugar, ele curava dor de dentes com guaiacol, um liquido que queimava a boca mascarando a dor com outra até maior e quando o dente quebrava era extraído sem anestesia ou cuidados e para quem perdia todos ele fabricava dentaduras grosseiras e pesadas.

Quem podia pagar se ajeitou com aquelas dentaduras de base vermelha , mas a pobre Bastiana não tinha dinheiro e sofria por continuar de boca murcha e dizia: um dia vou ter desses dentes ,mas esse dia nunca chegava e ela continuava esperando por um milagre que acabou por acontecer com a morte de seu compadre Totonho; ele foi enterrado com sua dentadura e alguns anos depois o coveiro revirou a terra e encontrou uma dentadura.

Supersticioso ele jogou a dentadura longe e se benzeu apavorado e tratou de se esquecer do assustador assunto, mas aquela desagradável visão estava sempre presente, ele se lembrava dos dentes alinhados com uma falha do lado direito e um enorme canino de ouro do lado esquerdo; dias depois Bastiana apareceu toda feliz com uma dentadura e dizia: olha gente eu encontrei essa dentadura perto do rio das Flechas.

Todos comentavam a boa sorte de Bastiana, até ela se encontrar com Sudário o coveiro, porque quando ela riu para exibir os lindos dentes, ele saiu correndo e gritando: acudam , socorro, Bastiana está com os dentes do falecido Totonho; ninguém entendeu nada e ele explicou: eu encontrei essa dentadura no cemitério e joguei longe, mas agora Bastiana apareceu com ela e eu tenho certeza que é a mesma, credo.

As opiniões se dividiram, alguns acreditavam na versão da Bastiana e outros acreditaram piamente na historia do coveiro Sudário e sentiam o mesmo pavor que ele,porque fantasmas não agradavam nada ao povo daquela região;os dias passavam e a polemica continuava, mas quando Sudário descreveu em detalhes a dentadura encontrada e descartada por ele, todos se lembraram dos dentes do falecido Totonho e do brilho daquele canino.

Esclarecida a historia , foram falar com Bastiana e ela foi obrigada a confessar que era a dentadura encontrada no cemitério; horrorizados queriam que ela devolvesse os dentes a seu devido lugar, mas ela se recusou dizendo: eu não devolvo de jeito nenhum porque eu achei e o que é achado não é roubado, depois parece que foi feita na medida de minha boca; vou ficar com ela em memória de meu querido compadre Totonho e ninguém tem nada com isso; o assunto morreu e foi enterrado ali mesmo.

Maria Aparecida Felicori}vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 05/11/2008
Código do texto: T1268240
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