..**..O Escudo de Papel..**..

Quinta-feira. Era um dia cinza, chovia forte, as ruas estavam escuras mesmo sendo apenas 5 da tarde. O frio sempre presente e os ponteiros ininterruptos do relógio giravam frenéticamente na mesma direção causando uma sensação de tempo perdido.

Ela estava esperando a chuva estiar, esperando que as pessoas que andavam nas ruas se acalmassem e, enquanto isso, observava a água que descia pelas escadas do calçadão. Não tinha levado sombrinha e tampouco se preocupara em saber a previsão do tempo. Ela se atirava impulsivamente em todos os planos mal-elaborados da sua juventude. Sempre se envolvia com a intensidade e a pressa de quem não tem muito tempo pra gastar com joguinhos e falso-moralismo, e esquecia de pensar nas conseqüencias a longo prazo. Ela dizia que as coisas eram simples: só existia o aqui e o agora. Em seu vocabulário a palavra 'depois' não existia. Dizia também que o futuro era incerto demais pra ser o guardião dos planos que queria pra sua vida.

De certo modo, foi o jeito que ela achou pra se defender das possíveis decepções, das possíveis armadilhas que o futuro prega. Essa impulsividade era um escudo de papel que mais lhe atrapalhava do que protegia. O escudo amassava, e ela gastava tempo tentando desamassá-lo; o escudo molhava, e ela tomava cuidado para que ele não rasgasse; o escudo voava fácil com qualquer suspiro, e ela corria atrás tentando inutilmente esconder aquilo que já havia sido revelado: o seu medo.

A chuva passou, o frio aumentou, as pessoas foram embora e ela decidiu seguir o caminho pra casa. Olhava pro alto admirando a arquitetura daqueles prédios históricos; Olhava pros lados observando ruas estreitas com o chão de lajotas soltas; Olhava pra trás pra ter certeza de que não deixara nada cair pelo caminho; Olhava pra frente como quem espera tudo vindo do nada, com medo e cautela, mas mesmo assim não parava.

Ela sorria com a graça de quem sorri com qualquer graça. E ria das músicas locais, das ciganas que assustavam as pessoas com suas leituras de mão; ela ria das pombas na praça central e dos vendedores com suas frases prontas e iguais todos os dias.

Ela não gostava de expôr os sentimentos nem de falar dos seus desalentos, mas escutava e aconselhava com a leveza de quem sabe o que faz. Ela ouvia os lamentos e secava as lágrimas salgadas das pessoas que passavam pela sua estrada. Ajudava sem pedir nada em troca e por isso uns a chamavam de trouxa. Mas ela não parava... Porque parar seria estagnar a sua evolução em prol de uma coisa menor e isso não era um conceito básico seu. Ela queria ser grande, queria ter forças pra ajudar, pra mudar situações incômodas e aliviar as dores do mundo. Ela queria ser uma pessoa melhor.

E foi nessa quinta-feira que ela soltou os cabelos ao vento, colocou as mãos no bolso e pensou em todas as causas negativas que teria cometido com o seu impertinente escudo. Ela sabia que não tinha sido tudo ruim, mas mesmo assim, não podia deixar de se sentir culpada pelas coisas erradas que pensou que fossem certas. Ela queria poder voltar atrás e repensar suas ações, mas sabia que não era possível e por isso começou a chorar. Um choro silencioso onde as lágrimas escorriam em sintonia com a beleza da forma de seu rosto. As lágrimas desciam e faziam com que seus olhos castanhos ficassem mais expressivos ainda.

Ela então jogou o escudo fora, e era como uma menina que ela se sentia agora... Desprotegida e à vontade consigo mesma.

E era como uma mulher que ela se sentia agora... Forte o bastante pra não deixar nenhum escudo e nenhum medo esconderem as verdades de sua alma livre.

09/11/08