Pôr-do-sol

Chego em casa, tomo um banho, e me preparo para nada fazer. Ligo o computador e play em Debussy. É sexta-feira, dia estranho. E é também popularmente conhecido em nossa cultura como o início do fim de semana. Como o dia da cerveja. Dia esperado com ânsia, e que passa fugaz como um hai-kai. Vamos pro bar, vamos pra festa, vamos pra qualquer coisa. Pegar mulher, dançar. E a semana que passou, que é dela? Tudo desaparece como num passe de mágica, a lenta e arrastada semana, aglutinada em nossas costas durante cinco dias, morro acima. Acabou, passou, ninguém se lembra. Beau soir sexta-feira, e o dia todo morreu? Não, isso tá errado. O porquê eu não sei, mas para pra pensar...!

O pôr-do-sol pela minha janela, nuvens azuis querendo ficar cinzas, as árvorezinhas tortinhas com suas folhas esverdeadas querendo valsar, é até bonito. A asa sul até que tem sua elegância burguesa. Não nas pessoas, mas no ambiente. As crianças que voltam da escola, tema recorrente nos meus escritos e papeluchos. A grama verdinha no final do ano é bonita, aveludada. Alguns prédios que fogem do quadradão, do padrão dogmático. Os campinhos são acolhedores ao dia, seus cães de rabos eretos e brincalhões. Não me interessam as meninas nas mesmas condições de seus animais de estimação; nada acrescentam de original à paisagem. A asa sul é até interessante, quando se observa apenas as crianças sinceras e espontâneas. Em especial as que estudam em colégios públicos, loucas pra tomar o ônibus - o ônibus, outro tema bastante recorrente - e ir pra casa. Mas ao contrário dos adultos bobos, elas brincam no meio do caminho, durante o caminho, antes do caminho e após o caminho. Dê-lhes uma bola murcha ou uma garrafa pet e qualquer um comprova minhas palavras.

No meio destas bobas e ignaras considerações, já passei de Debussy a Vinícius de Moraes. Não entendo mais minha razão de escrever, de divagar, de ser devagar nas outras coisas. É inerente, é intrínseco, é inevitável. Já tomou conta de mim como um verme, essa loucura de nada falar e tudo escrever. E de ver o mundo assim, um barroco neo-concreto. Dando voltinhas e voltinhas em espaços vazios. Meu Deus, por que escrevo? É sexta-feira...!

Serei um dia poeta? Ou lido? Estou vivendo no lugar certo? Ou vivo? As perguntas que me fiz durante toda a semana parecem insistir em se agarrarem às minhas pernas, aos meus dedos do pé, como carrapatos, como parasitas. Sugando minhas letras, meus (pobres) conhecimentos artísticos e filosóficos, me estuprando. Perguntas e dúvidas, cada uma com um pau maior que o outro. Tem gente que gosta dessas coisas na sexta-feira, de levar naquele lugar. Eu não gosto, estou desconfortável. E mesmo assim, parece que os rapazes não estão satisfeitos, e ficam nessa de me assolar com perguntas que nunca vou poder responder.

Não acho que conseguirei acordar no sábado pensando que as terras místicas não existem, nem as princesas, nem os magos, nem as fadas. E que, no lugar dessas coisas todas, existem as tais das meninas abanando o rabo, Brasília, e a mais-valia. Que mundo fodido, eu começo a pensar, a escrever sobre pôr-do-sol e termino falando, F-O-D-I-D-O. Um texto que, assim como eu, começou no nada, terminou no nada, e acrescentou nada. Senhoras e senhores, bem-vindos ao maravilhoso mundo de Luna, homem com pseudônimo de mulher. Com dúvidas, insegurança, e buscas sem fim por utopias. Bem diferente da novela das seis. Infelizmente.

É sexta-feira. A condensação das partículas da semana inteira. O recomeço do recomeço, ad eternum. Samba enredo sem fantasias. Caiu o sol.