O VERDADEIRO

A luz adentrava pela minúscula janela que havia dentro do meu quarto. De meu colchão velho e cheio de carrapatos eu recebia o raio de luz quente que me dava náuseas. Não acordei bem nesse dia, talvez tenha sido um pressentimento pelo dia que me viria. Na mesma semana eu teria prova, assim tive que estudar. Sentar, existir em função de um livro velho e fedorento de um carinha que possui idéias as quais nem mais fazia sentido, mas para que eu pudesse saber disso eu teria que lê-lo, senão seria apenas um reprodutor do que os velhos professores me dizem nas insuportáveis e nebulosas aulas. Acredito que a sala é um lugar de apenas discussão, não devemos perder tempo ouvindo (somente isso) os velhos soltarem suas merdas para fora e nós aceitarmos como paradigmas teóricos para nossa vida. Eu não consigo falar isso para os poucos amigos que eu tenho na faculdade, pois acredito que passarei como um carinha chato e prepotente, então prefiro escrever nesta folha de papel, talvez após ter escrito eu a guarde ou a rasgue, não sei bem ainda.

Era um sábado sufocante e o cheiro de livros velhos de onde eu morava, ou melhor, sobrevivia, já me enojava. Decidir ir à praia, não é um dos melhores lugares para ir,mas mesmo assim fui,pois era o mais próximo da biblioteca(minha casa!).

Ainda possuía muitas roupas, afinal depois daquela noite eu as trouxe comigo, assim pude vestir um camiseta, uma bermuda e ir à praia bem relaxado. Eu mal conseguia abrir os olhos devido ao sinsuportáveis e nauseantes raios de luzes que me perseguiam e além do mais as pessoas fatigadas pela semana inteira de trabalho “digno” parecia que se tornavam zumbis regidos por um som mágico que a faziam apenas dançar,rir e nada mais: meros zumbis nutridos por diversão. Não me incomodava com aquilo, apenas era interessante observar. Decidir sentar em um banco em frente a um grupo.De início as pessoas estranharam o motivo pelo qual eu sentei bem em frente a eles, mas depois se tornaram indiferente para comigo. Um carro parou bem em minha frente, um homem alto,com um rosto chupado e olhos que pareciam mais com um cú fodido me chamou: “Ei filho,ta fazendo que aê?”

Reconheci aquela voz, era meu tio. Fazia cinco meses que eu não o via, apesar de morar a três quarteirões dele. Entrei no carro, a primeira pergunta que ele me fez foi: “Por que você não foi ao enterro de sua mãe”. Fui indiferente a pergunta, mas devido a ele ter novamente perguntado respondi: “Estava com um mal-estar e decidir não ir,o que você achou?”. Ele tirou o olhar de mim e deu partida no carro como se nada houvesse saído da minha boca. Meu tio tinha uma mal hálito que, juntamente com aquele calor, aumentava ainda mais as minhas náuseas. Paramos em um sinal, um garoto que mal tinha formação dentária veio até meu tio e disse: “Tio me dá um troco pra eu comer alguma coisa”. Mal olhando para o garoto meu tio disse: “Dá um tempo, quem pariu agora sustente”. Achei legal a atitude dele, afinal o que aquele garoto poderia fazer com aquele dinheiro ninguém sabe.

As pessoas ao se depararem com o desespero tornam-se umas criancinhas e,assim,não mais raciocinam apenas acreditam.Meu tio não acreditou,pensou e decidiu dizer aquilo. Eu não sabia para onde ele iria, mas o sábado era dia de fazer... nada, então para onde ele fosse eu estaria satisfeito.

Por que será que as pessoas resignam-se de uma forma tão suicida? O que será que as levam a fazerem isso? O tempo, talvez sim, afinal este é capaz de tudo, o verdadeiro onisciente e onipotente. Meu tio era aquela coisa insignificante desde que minha mãe me cuspiu neste mundo. Sempre morou na mesma casa, trabalhou no mesmo lugar e teve o mesmo carro. Isso tudo o fazia feliz, o pouco que ele tinha o excitava.

Passamos meia hora circulando pela cidade, falando besteiras, ou melhor, eu ouvia as besteiras que ele falava observando as pessoas nas ruas. Consciências crentes da felicidade, do amor,da esperança,toda essa bobagem que passamos a nossa vida toda acreditando,lutando,morrendo. Quando na verdade a cada dia que passa nos aprodecemos, é inevitável. O verdadeiro onisciente e onipotente é cruel conosco.

“Sinceramente meu filho, porque você perde seus dias estudando, por que você não procura uma menina qualquer para dar uma, sentir aquele calor quando ela está em seu colo?” A perguntava do meu tio me fez rir.... e alto... a ponto d’eu chorar. Ele ficou meio sem graça.Não respondi a pergunta dele.Chegamos ao bar,perto do colégio em que havia estudado. Decidir ir embora.Deu um até breve e fui andando para a praia.Duas horas depois voltei para casa.A pergunta do meu tio me incomodava,decidir responde-la,não para ele,ainda,contudo para mim mesmo.

Agora repassando esses fatos para esta amarelada folha eu tenho uma resposta. No caminho pútrido existencial em que andamos, buscamos a todo instante prazer. Somente isso. Nada mais. Eu acredito que a existência é prazer. Mas quando isso incomoda,quando o outro se sente ameaçado com isso,procura de todas as formas aniquilá-lo. Criando mil e uma coisas, mil e um mitos para que crentes disso nós devamos desistir de buscar o prazer. Para uns o prazer está em fuder,beber,fuder e beber: nada demais.Apenas umas oito horas separam isso. Enquanto que a coisa a qual chamamos vida, permanece estagnada, congelada. Buscando a pseudo-felicidade que está em um suposto plano metafísico.

Quanto a mim vivo para alimentar o meu prazer intelectual que nutri o físico. Acredito que quando conseguir dar o meu primeiro beijo em uma mulher gostosa e um pouco mais velha que eu, o principal responsável foi o que eu conseguir com o meu prazer intelectual. As palavras que disse para ela, vieram de todas as minhas elucubrações as quais meu tio dizia ser “perda de tempo”.Enfim, eu não sei se esta é a resposta para a pergunta dele,mas pelo há uma.Talvez amanhã,domingo, eu venha a sentar no mesmo banco,em frente às mesmas pessoas,quase que um déjà vu,esperando meu tio para lhe responder e saber se o que eu penso,sinto e falo me faz homem ou apenas um menino que em poucos anos de nada valerá,pois estará cansado de tudo,abatido pelo verdadeiro onipotente e onisciente: o tempo.

Rien

Trovador Solitário
Enviado por Trovador Solitário em 25/03/2006
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