Reminiscências de outono

Da janela ele avistava praticamente toda a rua.

Via a praça repleta de crianças e babás, cachorros e seus donos.

Se fechasse os olhos poderia sentir o cheiro de cada uma das folhas das amendoeiras, que de tão vermelhas, não mais se agüentavam nos galhos.

Mais um pouco e escutaria o barulho seco que fazia a bola ao rolar com força por cima daquele monte de folhas caídas.

De sua janela, ele também via o rosto de um menino que olhava pra terra batida, acompanhando o subir e descer da velha e enferrujada gangorra.

Lembrou-se do dia em que deixou de ser criança, e também do engradado cheio de garrafas de leite, que ia esvaziando a cada vez que seu velho pai tocava uma campainha, numa Copacabana completamente substituída por outra.

Quase sorriu, ao lembrar que fora também ali, naquela mesma praça, que ele se conhecera através de uma mulher. A mesma que o seguiu durante toda a vida e que ainda insistia em beijar-lhe a testa antes de desejar-lhe uma noite tranqüila.

Sem precisar girar a cabeça, viu um passarinho pousar em cima do ombro de uma menina. Um pássaro verde que provocou enormes gargalhadas nos que viram a correria estabanada da criança em direção a uma bela moça, que só podia ser sua mãe.

Por instantes sentiu-se fortalecido a ponto de imaginar que poderia inalar fundo o ar daquela ensolarada manhã de outono, uma terça-feira.

Mas apenas resignou-se quando a primeira lágrima escorreu em seu rosto, antes de bater, com violência, no plástico duro da máscara que o mantinha respirando.
Gustaalbuquerque
Enviado por Gustaalbuquerque em 17/11/2008
Código do texto: T1288096
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