A morte é apenas um novo começo
O féretro já estava quase alcançando o mausoléu dos Arruda, no São João Batista.
Tudo transcorria dentro da mais aguardada normalidade: o padre fizera um bonito sermão de despedida, não faltou ninguém da diretoria da empresa, a temperatura estava amena para os padrões do verão carioca e os choros das crianças, ainda que impressionassem, até que estavam contidos.
Em cima do caixão, talhado com detalhes renascentistas em jacarandá de primeira, repousavam duas belíssimas corbélias de flores. A maior, encomendada por Sandra, terceira mulher de Irineu, comovia pelas pouco usuais palavras: "Meu amor, saiba que também morri. Saudades".
O problema foi o gato. Gato de cemitério, daqueles cinzas.
O susto foi tão grande ao ver o bichano voando entre um túmulo e outro - a coisa de menos de meio metro dela - que a bolsa da viúva não resistiu ao seu repentino descontrole, batendo violentamente no chão de paralelepípedos.
O vibrador - aparentemente de um látex rijo, 'preto senegal' - foi rolando mansamente, só parando numa pequena poça, formada pela chuva da noite anterior.
Não tinha saída. Viúva é viúva. Teve que esperar a retirada das flores e a descida do caixão.
Tudo diante de um epitáfio inoxidado, que haviam acabado de prender num bonito pedaço de granito: "O homem nada é que não sua obra - * 12/03/1945 + 30/09/2002"
Num consenso tácito, raríssimo em nossos dias, a única coisa que ficou faltando foi a fila final de condolências.