Um peão na capital

Mini-conto

Um peão na capital

FlavioMPinto

Licurgo era um velho peão de estância. Acostumado com a lida , sempre livre e a céu aberto, fazia seu trabalho diário com total confiança do patrão. Apartava gado, embretava, preparava para ordenha, marcava e vacinava. Não casara, sua vida era a estância, o gado e cuidar da mãe. Nada mais o fazia feliz.

Seu irmão, Deoclécio, afilhado do patrão, fora mandado para a cidade e não voltara mais. Tinha trabalho e morava só num apartamento pequeno.

Certo dia, sua mãe adoeceu e ele teve de ir a cidade levá-la para consultar e fazer exames.

- Me sinto um passarinho preso numa gaiola quando vou pra lá, dizia. Mas, conformando-se, tinha de esperar a consulta e os exames para voltar á lida. Não gostava do apartamento . Não podia olhar o céu, ver o gado, a luz das estrelas siquer as fagulhas de um braseiro. Churrasco, então...

Diante de sua melancolia o irmão decidiu levá-lo ao cinema.

Iriam á Casa de Cultura Mario Quintana. O velho peão colocou sua melhor bombacha, lustrou as botas, ajeitou a camisa e o lenço colorado, tapeou o chapéu e "se foram" ao tal cinema.

Era uma sala pequena, mais ou menos 50 lugares. Poucas luzes. Apenas as necessárias para orientação dos freqüentadores escolherem e sentarem nas poltronas. Mal entraram e Licurgo começou a ficar nervoso e perguntar.

- Mano, aqui não tem janelas?

-Não, Licurgo, aqui é um cinema.

- Mano, e o ar por adonde entra?

- Tem ar condicionado, te acalma.

- E a luz, como enxergo?

- Te acalma!

A esta altura, Licurgo já se levantara e , a manotaços, saltava e pisoteava as poltronas na direção da porta de saída.

Suava. Tinha calafrios. Esbravejava contra tudo.

Já meio desalinhado, com o lenço desamarrando e fora do pescoço, foi seguro pelo "lanterninha".

De imediato deu-lhe um safanão e rolaram pelo corredor até a tela, onde o irmão tentou apartá-los.

Licurgo, cada vez mais nervoso e alterado, não se acalmou nem quando as luzes foram acesas. Aí já eram três a segurá-lo.

A confusão só acabou quando conseguiram abrir a porta de emergência que dava para a Travessa dos Cataventos.

As pessoas que passavam na rua espantaram-se com a cena.

- Mano véio, tô sentindo uma sesmaria de saudade da estância e do meu rancho! Falou o assustado peão.