Réquiem para uma puta

Aquela seria sua última noite.

Há muito tempo que ela sabia ser impossível prorrogar indefinidamente a escolha por Diana.

Mais precisamente desde os dezesseis, quando - então Betânia - foi seduzida pelos lindos postais da cidade maravilhosa, apresentados pelo homem que mudaria sua vida e de quem fazia questão de não lembrar o nome.

Homem que não só a trouxe de Curvelo, como também lhe proporcionou uma vida jamais pensada no interior mineiro. Só no Copacabana Palace havia ido mais de dez vezes, nos dez anos que haviam se passado desde que seus olhos, olhos de criança, haviam se cruzado com a grandiloqüência da luminosidade que emanava de cada ponto do caminho que a levou da rodoviária Novo Rio ao pequeno conjugado da Prado Junior.

Desde então, como as coisas haviam mudado...

O Rio de Janeiro – sabemos - jamais poupou a beleza. Não pouparia a dela, uma mistura de atrevimento com alguma desfaçatez em lindas curvas.

Como puta, Diana era excelente.

Mas queria sê-lo também como mãe de seu único filho, cujas retinas jamais haviam captado imagens outras que não as da pequena cidade, distante menos de duzentos quilômetros de Belo Horizonte.

A aposentadoria precoce dos quartos de motel, dos bons vinhos, e da cidade que tanto lhe impressionava, só se explicava em razão de um intrincado jogo de consciência - no qual o principal personagem invariavelmente sucumbia ao final irremediavelmente infeliz - para o qual todas as estratégias convergiam.

Aquela seria sua última noite. Não que precisasse dela, ao contrário. Diana já havia juntado o suficiente. Diana cobrava caro. E não lhe faltavam clientes.

A última noite, entretanto, deveria ser especial. Seu lado Betânia, cada vez mais presente, seria covardemente escondido após a quinta dose do uísque que ela comprara para a ocasião. Queria ser apenas Diana. A noite toda. Certamente conseguiria.

O telefone tocou pela sétima vez e novamente ela negou. Não repetiria clientes. Queria sentir o mesmo prazer que sentiu uma década atrás, quando suas narinas conheceram a maresia única exalada pelas ondas da zona sul carioca.

Na oitava ligação ela pegou. Número desconhecido. Mil e quinhentos reais. Tinha voz de um senhor. Tímido. Parecia ser inteligente. Passaria na portaria de seu apartamento em menos de meia hora.

Tempo quase insuficiente para que Diana passasse seu melhor perfume, ainda nua, como sempre fizera, para, só após, colocar lentamente uma lingerie vermelha e um vestido decotado que havia comprado numa loja badalada no São Conrado Fashion Mall.

Um elegante sapato preto, com salto altíssimo, completou o serviço de torná-la, definitivamente, irresistível.

Afonso ficou extasiado e se viu obrigado a mudar os planos. O restaurante inicialmente planejado estava aquém daquela mulher. Rapidamente pegou a segunda esquerda e seguiu rumo ao Antiquarius. Havia de ser o melhor, afinal.

Diana havia entrado dentro de si mesma de forma irremediável e como jamais fizera antes. Deliciava-se com o excelente tinto português, do qual, habilmente, havia conferido o preço na excelente carta de vinhos do restaurante. O fato de ser caro significava muito pra ela. Sempre significou.

Depois do bacalhau e das barrigas de freira, ainda restava boa parte da noite.

- Da última noite, apenas pensou, antes de respirar profundamente.

Última noite que teria lugar numa confortável suíte do melhor hotel da praia de Ipanema.

Mas não teria Afonso.

Enquanto a lua minguante era facilmente observada pela janela, iluminando quase nada da madrugada carioca que ainda fervilhava, a porta que dividia os dois principais cômodos da suíte se abriu vagarosamente. Ao fundo, uma consistente composição de Verdi envolvia como veludo todo o ambiente, estrategicamente à meia-luz.

Perfumada e de certa forma tomada por vestes extravagantes, panos coloridos e uma peruca que tecnicamente seria apontada como ruiva, aquele senhor dos vinhos caros e do conhecimento sobre cultura renascentista, se transformara em algo abjeto, de difícil denominação.

O pedido, feito com certo autoritarismo, que em verdade tentava camuflar um mar de insegurança, foi singelo e de fácil execução.

- Me faz sua puta!!! Quero ser sua puta!!!

Ela faria.

E fez. Pela madrugada adentro. Era excelente, e era, acima de tudo, Diana.

Ao retornar, Afonso pagou dois mil, em notas de cem, e sugeriu que fossem logo, antes que ficasse tarde demais. Precisava levar, bem cedo, um dos filhos ao aeroporto. Iria passar seis meses na Suíça. Ou Suécia, tanto fazia.

Enquanto se levantava, Diana pediu languidamente, e pela última vez, para usar o banheiro por dois minutos.

Diante do espelho, um sorriso contido dentro dos lábios e algumas lágrimas soltas pelo rosto, incapazes por completo de cegar seus olhos castanhos, que liam o que seu batom - quase vinho - acabara de escrever, em diagonal:

Obrigada, Diana.
Gustaalbuquerque
Enviado por Gustaalbuquerque em 19/11/2008
Código do texto: T1291884
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